Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Brasil, p.
A2
Regulamentação chegou
muito tarde
Ribamar Oliveira
Por mais incrível que possa parecer, somente nesta semana o governo tomou a
iniciativa de encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando a
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020, estabelecendo normas
para aplicação, com segurança jurídica, do chamado Orçamento impositivo. Ou
seja, os pneus estão sendo trocados com o carro em movimento.
Na exposição de motivos
que acompanha o projeto de lei, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comete
uma impropriedade. Ele diz ao presidente Jair Bolsonaro que a regulamentação
está sendo feita agora porque, quando as emendas constitucionais 100 e 102, que
instituíram o Orçamento impositivo, foram promulgadas, o projeto da LDO válido
para 2020 já tinha sido aprovado pelo plenário da Comissão Mista de Orçamento
do Congresso (CMO).
Na verdade, a emenda
constitucional 100 foi promulgada no dia 26 de junho de 2019, quando o relator
do projeto da LDO, deputado Cacá Leão (PP-BA), nem sequer tinha apresentado o
seu relatório, o que só foi feito no dia 7 de julho do ano passado. Foi a EC
100 que determinou ser dever da administração “executar as programações orçamentárias,
adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a
efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.
Na época, a EC 100
causou grande preocupação dentro da área técnica do governo, pois não estava
explícito no texto constitucional que as programações orçamentárias poderiam
ser contingenciadas para o cumprimento das metas fiscais ou do teto de gastos.
Nem mesmo que elas não poderiam ser executadas em caso de impedimento de ordem
técnica.
Em negociação direta com
os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), a área econômica do governo acertou um texto a ser incluído em
outra proposta de emenda constitucional para deixar todas essas questões
explícitas. A EC 102, aprovada no dia 26 de setembro de 2019, simplesmente
determinou que a execução orçamentária se subordina ao cumprimento de
dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais
ou limites de despesas. Ela explicitou também que a obrigatoriedade da
execução não impede o cancelamento necessário à abertura de créditos adicionais
e não se aplica nos casos de impedimentos de ordem técnica devidamente
justificados.
O Orçamento impositivo
foi instituído, portanto, pela EC 100, de junho. O projeto da LDO foi
aprovado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso no dia 8 de agosto de
2019. Havia, portanto, tempo suficiente para que o governo pedisse ao relator
que paralisasse a tramitação do projeto, enquanto a EC 102 não fosse aprovada.
Mesmo porque o Congresso Nacional só aprovou a LDO válida para 2020 no dia 9
de outubro do ano passado.
Seria possível,
portanto, fazer as alterações no projeto da LDO, estabelecendo normas para a
aplicação do Orçamento impositivo, com segurança jurídica. O que teria evitado
os problemas ocorridos no início deste ano, quando as dúvidas sobre a aplicação
da EC 100 dificultaram enormemente a execução orçamentária.
Em meio a todas as
incertezas sobre a execução do Orçamento impositivo, o veto do presidente
Bolsonaro ao artigo 64 da LDO adicionou um elemento politicamente explosivo. O
presidente considerou contrário ao interesse público que os
parlamentares indicassem os beneficiários de suas emendas e a prioridade
de execução.
Em reação, os senadores
e deputados aprovaram a Lei 13.957, explicitando a obrigatoriedade de execução
das emendas do relator-geral do Orçamento e das comissões do Senado e da Câmara
e reinstituindo os mesmos critérios de indicação e de prioridade que
tinham sido vetados anteriormente. O presidente vetou novamente.
Quando o Orçamento para
2020 foi aprovado, descobriu-se que o relator-geral tinha feito emendas no
valor de R$ 30 bilhões. Nunca antes um relator-geral tinha feito emendas nesse
montante. Elas eram diferentes, pois ele cortou algumas programações
propostas pelo governo e, ao mesmo tempo, as incluiu no Orçamento como emendas
suas, com acréscimo de valor. Na área técnica do Executivo, esse procedimento é
chamado de “emenda cachorro”, pois lembra um cachorro mordendo o próprio rabo.
Com esse mecanismo, o
relator retirou do governo a gestão sobre uma montanha de investimentos e
passou a ser a pessoa a indicar o nome dos beneficiários dos recursos e a
prioridade de execução. Uma das emendas do relator-geral, por exemplo, destinou
R$ 351,7 milhões para a ação de policiamento, fiscalização, combate à
criminalidade e corrupção.
Parece não haver dúvidas
de que cabe ao ministro da Justiça e da Segurança Pública definir os
beneficiários dessa ação e a prioridade de execução, e não ao relator-geral do
Orçamento.
Finalmente, a proposta
de regulamentação das ECs 100 e 102 chegou nesta semana ao Congresso. Junto com
ela, um projeto que acaba com a possibilidade de o relator-geral
apresentar a chamada “emenda cachorro”. Se o projeto for aprovado, ele só
poderá indicar os beneficiários dos acréscimos que ele fez nas programações
originais do Executivo.
Os projetos foram
encaminhados após um acordo, feito pelo governo com as lideranças
políticas, para a manutenção do veto do presidente ao artigo 64 da LDO. Ontem,
o veto de Bolsonaro foi mantido e os parlamentares poderiam votar, à noite, as
propostas de mudanças na LDO.
No caso da
regulamentação do Orçamento impositivo, propriamente dito, o projeto
define que o contingenciamento das emendas parlamentares será feito na mesma
proporção aplicável às demais despesas do Executivo, que os restos a pagar de
exercícios anteriores estarão dentro do limite financeiro anual de cada órgão e
que o Executivo poderá remanejar os recursos de despesas que não
estão sendo executadas para pagar outras.
Assinatura
A exposição de motivos
de um dos dois projetos que alteram a LDO, justamente aquele que trata das
emendas do relator-geral, não é assinado pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes. Mas pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Ribamar Oliveira é
repórter especial e escreve às quintas-feiras
E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br