Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Brasil, p. A8

Após alta de 1,1% do PIB em 2019, aposta de 2020 encosta em 1,5%
Sergio Lamucci
Anaïs Fernandes
Bruno Villas Bôas
Alessandra Saraiva 


A economia brasileira cresceu 1,1% em 2019, um ritmo de expansão próximo ao 1,3% registrado nos dois anos anteriores, com mais um desempenho decepcionante do investimento e da indústria. O consumo das famílias e os serviços tiveram melhor resultado, mas tampouco mostraram uma alta das mais expressivas. O resultado contrariou as expectativas mais positivas registradas no começo do ano passado - em janeiro de 2019, por exemplo, o consenso de mercado apontava para um avanço de 2,6%.

Com a atividade fraca nos últimos meses e o efeito negativo da epidemia de coronavírus sobre a economia global, a onda de reduções das estimativas para 2020 continuou, com boa parte das previsões recuando para a casa de 1,5%, embora alguns analistas ainda considerem factível algo em torno de 2%.

No quarto trimestre de 2019, o PIB cresceu 0,5% sobre os três meses anteriores, feito o ajuste sazonal, menos que o 0,6% do terceiro trimestre, além de ter exibido uma composição mais fraca do que o número geral sugere, como destaca o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. Pelo lado da demanda, o investimento voltou a cair, depois de ter subido nos dois trimestres anteriores. Houve queda de 3,3% em relação ao terceiro trimestre.

O consumo das famílias avançou 0,5% nessa base de comparação, mas perdeu fôlego em relação ao 0,7% dos três meses anteriores. O impacto da liberação dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi menor que o esperado. O consumo do governo, por sua vez, teve alta de 0,4%.

Nas contas de Ramos, a demanda doméstica final (o consumo das famílias, o consumo privado e o investimento, excluindo a variação de estoques) recuou 0,2% no quarto trimestre, após subir 0,6% no terceiro.

Para o crescimento do quarto trimestre, o setor externo teve contribuição positiva de 0,8 ponto percentual, uma vez que as exportações cresceram 2,6% e as importações caíram 3,2% - no resultado do ano, o setor externo teve colaboração negativa, porque as vendas externas cresceram menos que as compras.

A crise da Argentina, com forte impacto sobre as exportações de manufaturados, afetou o crescimento de 2019, assim como o colapso da barragem da Vale em Brumadinho (MG), por seu efeito sobre a indústria extrativa. Ainda assim, o resultado mostra uma economia com dificuldade de firmar a recuperação cíclica num ritmo mais forte, a

A crise da Argentina, com forte impacto sobre as exportações de manufaturados, afetou o crescimento de 2019, assim como o colapso da barragem da Vale em Brumadinho (MG), por seu efeito sobre a indústria extrativa. Ainda assim, o resultado mostra uma economia com dificuldade de firmar a recuperação cíclica num ritmo mais forte, a despeito dos juros baixos, do aumento do crédito e da retomada do mercado de trabalho. No ano, o consumo das famílias cresceu 1,8% e o investimento, 2,2%.

Com mais um ano de resultado fraco, o PIB está em nível semelhante ao do primeiro trimestre de 2013. Segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, a economia segue 3,1% abaixo do pico histórico da série, do primeiro trimestre de 2014.

Pelo lado da oferta, a indústria geral teve mais um desempenho muito fraco: um crescimento de 0,5%, com quase estabilidade da indústria de transformação (alta de 0,1%). Já o setor extrativo teve queda de 1,1%, enquanto a construção civil avançou 1,6%. A agropecuária subiu 1,3% e os serviços tiveram alta também de 1,3%.

O movimento de revisão para baixo nas projeções de crescimento para 2020 prosseguiu após a divulgação do PIB ontem. O Citi Brasil, por exemplo, reduziu a sua estimativa 2% para 1,6%. Segundo os economistas do Leonardo Porto e Paulo Lopes, desde o fim de janeiro indicadores oficiais mostraram uma queda ainda mais acentuada na atividade da China, enquanto as evidências de “transbordamento” da doença para outros países também aumentaram. “No âmbito doméstico, o governo informou que o impacto não recorrente favorável da liberação do FGTS no consumo privado pode ser menor do que o anteriormente esperado”, escrevem eles.

Na terça-feira, a Capital Economic s já havia cortado a previsão para o PIB neste ano de 1,5% para 1,3%, enquanto o Goldman Sachs passou de 2,2% para 1,5%, e o JPMorgan, de 1,8% para 1,6%. As três instituições citaram o impacto do coronavírus sobre a atividade global como motivos para as mudanças.

O Santander, por sua vez, tem viés de baixa para sua projeção de crescimento de 2% para o PIB brasileiro em 2020 e deve fazer sua revisão periódica na próxima semana, trazendo o número para uma faixa entre 1,6% e 1,7%. Nas contas do economista Lucas Nóbrega, o coronavírus deve gerar 0,2 a 0,3 ponto de perda de PIB neste ano.

Apesar de o crescimento de 0,5% no PIB do quarto trimestre ter ficado dentro do esperado, a composição ruim foi um dos motivos que levaram a Arazul Capital a reduzir a estimativa para a expansão do produto neste ano de 2% para 1,5%. “Grande parte da revisão se deve à dinâmica doméstica. A outra parte, ao coronavírus”, afirma o economista-chefe, Rafael Leão. Ele destaca a queda maior que a esperada do investimento, a surpresa negativa com a retração de 2,5% da construção civil e o fraco crescimento do consumo das famílias, de 0,5%, todos em relação ao terceiro trimestre.

A herança estatística deixada pelo crescimento de 2019 para este ano é de 0,8%, estima Ramos, do Goldman Sachs. Isso significa que, se a economia brasileira ficar estável em 2020, vai terminar o ano com expansão de 0,8% ante o ano anterior. “No geral, esperamos que o PIB cresça apenas 1,5% em 2020, quarto ano seguido de avanço na casa de 1%”, resume Ramos. A última vez em que a economia brasileira cresceu mais de 2% foi em 2013. (Colaboraram Arícia Martins, Ana Conceição e Thais Carrança)