Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Brasil, p.
A12
Recuperação da renda
mostra lentidão recorde
Bruno Villas Bôas
A renda do brasileiro nunca se recuperou tão lentamente de uma recessão
econômica - nas demais crises dos anos 80 e 90, o PIB per capita estava
recomposto ao 23º trimestre após o início da crise, exatamente onde
estamos agora. Mantida a atual dinâmica, serão necessárias mais duas décadas
para recuperar o padrão de vida do período pré-recessão.
Cálculos do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram que o
PIB per capita - divisão do PIB pelo tamanho da população - cresceu a um ritmo
médio de 0,4% a partir de 2017, o primeiro ano de recuperação. A alta foi de
0,5% em 2017 e de 0,5% em 2018. Em 2019, desacelerou para 0,3%.
No ano passado, o PIB
per capita estava em R$ 34.533 por brasileiro - o que considera uma
distribuição igualitária da renda pelos habitantes. Esse valor é semelhante ao
registrado em 2013, segundo informou ontem a coordenadoria de Contas Nacionais
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento do
Ibre/FGV tem como base a marcação do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos
(Codace), que define a mais recente recessão entre o segundo trimestre de 2014
e o quarto trimestre de 2016. No período, o PIB per capita teve queda acumulada
de 8,6%. Desde então, o crescimento acumulado foi de 1,3%.
“Não existe na história
documentada, dos anos 40 para cá, recuperação mais lenta do que essa”, afirma
Claudio Considera, diretor do Monitor do PIB, da Fundação Getulio Vargas, e um
dos autores dos cálculos. “País está sem estímulo de crescimento na economia,
que historicamente foi a demanda do governo. ”
Dados da consultoria AC
Pastore confirmam isso. Desde o início da recessão, o país percorreu 23
trimestres. A retomada mais lenta até então havia sido a da crise de 1981, uma
das mais severas já documentadas. Naquele momento, a renda per capita recuperou
seu nível pré-recessivo no 22º trimestre, ou seja, por volta de 1986.
“O PIB per capita de
1981 era, é claro, muito menor e pior distribuído do que o atual. Mas é fato,
sem dúvida, que estamos na retomada mais lenta”, afirma Marcelo Gazzano,
economista da consultoria A.C. Pastore & Associados.
Pelos cálculos do
Ibre/FGV, se o ritmo da recuperação da renda permanecer o mesmo de 2019
(0,3%), o país levará 23 anos para recompor suas perdas. Se a recuperação mantiver
o ritmo médio dos últimos três anos (0,4%), serão necessários mais 15 anos. Nos
dois casos, o cenário considera avanço populacional de 0,8% ao ano.
“Essa lenta recuperação
tem consequências econômicas e sociais que não podem ser ignoradas. Ela
gera impactos sobre bem-estar da sociedade e também pode ter consequências de
longo prazo”, disse Considera, economista do Ibre/FGV. “O tempo de recuperação
afeta sobretudo o emprego, são 12 milhões de desempregados. ”
Em um cenário
considerado mais otimista pelo Ibre/FGV, o PIB per capita cresceria 1,3%
ao ano daqui para frente. Esse quadro é compatível com a média das projeções do
boletim Focus, divulgado na segunda-feira passada, mas incerto diante das
revisões recentes dos analistas. Por esse ritmo, seriam mais seis anos para
recuperar o nível pré-crise.
Economistas têm se
debruçado sobre os números de atividade para entender os motivos de uma
recuperação da economia e da renda ser tão lenta. Bráulio Borges, economista da
LCA Consultores e pesquisador da FGV, diz que diferentes fatores contribuíram
para uma retomada mais lenta nos últimos anos, inclusive a “falta de uma boa
sorte”.
“O Brasil deu azar em
questões como o colapso da Argentina, o rompimento da barragem [da Vale ]
em Brumadinho, em Minas Gerais. Mesmo a greve dos caminhoneiros tem um
componente de azar, que foi o avanço do preço do petróleo, embora a
administração para evitar a greve tenha sido ruim”, diz Borges.
Nem tudo, claro, é fruto
do azar. Borges afirma que a política econômica deveria ter respondido a
esses choques. Embora haja restrições no campo fiscal, a política monetária
teria demorado em sua resposta. Para ele, o principal erro foi em 2018, quando
o Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de redução da Selic, taxa básica de
juros.
“Já estava claro em 2018
que o país caminhava para um segundo ano de inflação baixa, que tinha
choque da demanda externa vinda da Argentina e do comércio global. E a
autoridade monetária levou um ano para responder a isso. E, se responde com
atraso, depois precisa correr atrás. Mesmo em 2019, a resposta foi
insuficiente”, afirma.
O economista Marcel
Balassiano diz que o desempenho do PIB per capita ao longo da recessão e
sua lenta retomada após a crise fizeram dos anos 2010 uma década perdida. No
período (2010-2019), o PIB per capita brasileiro cresceu 0,5% ao ano. É o
segundo pior desempenho verificado desde o início do século passado.
O período de maior
crescimento da renda per capital foi exatamente nos anos 70, quando
registrou crescimento médio de 6,1% ao ano. O período compreende o chamado
“milagre econômico”, fase de crescimento acelerado da ditadura militar. Foi
também um período conhecido como “anos de chumbo”.
Já o pior desempenho foi
o dos anos 90. O início da década foi marcado pela hiperinflação, domada
pelo Plano Real em 1994. Era ainda um período de avanço populacional maior do
que o atual. Dessa forma, a década de 90 registrou uma queda média de 0,3% do
PIB per capita por ano, na média do período.
“A década de 90, na
média, é pior inclusive do que os anos 80. O que explica isso é resultado
da renda per capita de 1990, que recuou 7%. Foi o ano de confisco da caderneta
de poupança pelo governo Collor”, lembra Balassiano. “Já a década de 80 é
ajudada pelo ano de 1980, quando a renda cresceu 6,7.”