O Globo, n. 32593, 01/11/2022. Mundo, p. 20

''O clima é um tema central internamente e na política internacional”

Entrevista: Celso Amorim


Entre telefonemas internacionais que começaram na noite de domingo e devem continuar ao longo da semana, o ex-chanceler Celso Amorim, que sem dúvida será um homem forte na política externa do novo governo — seja novamente como ministro ou assessor especial da Presidência —, conversou com O GLOBO sobre as primeiras reações internacionais à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e os planos imediatos do presidente eleito.

— O Brasil voltou a ser protagonista. Falar com o Brasil agora dá ibope — disse, rindo, no Hotel Intercontinental, em São Paulo, pouco depois do encontro entre Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández.

O ex-chanceler confirmou que Lula tem a intenção de participar da próxima cúpula da ONU sobre mudanças climáticas, a COP27, que começa no próximo domingo, no Egito. Segundo fontes diplomáticas, o presidente eleito disse ao francês Emmanuel Macron que vai à reunião.

— O presidente tem um grande interesse na questão do clima, foi um tema em todas as conversas [com dirigentes estrangeiros] — destacou Amorim, que também confirmou a recomposição das relações com a Venezuela de Nicolás Maduro e definiu o telefonema desta segunda-feira do presidente americano, Joe Biden, como “uma bela conversa”.

Se não retornar ao comando do Itamaraty, Amorim terá opinião determinante sobre quem ocupará a pasta — se não for um nome político, dois dos nomes mencionados são os de Mauro Vieira, ex-chanceler no governo Dilma Rousseff e ex-embaixador nos Estados Unidos, e o de Maria Luiza Viotti, ex-embaixadora na ONU e na Alemanha, que também foi chefe de Gabinete do secretário-geral da ONU, António Guterres.

O presidente eleito anunciou que pretende realizar viagens internacionais antes da posse. Existe expectativa sobre sua presença na COP27. Isso é provável?

O presidente disse que existe um convite dos governadores [brasileiros], isso foi mencionado nas conversas, mas como uma possibilidade. Não tenho certeza se isso vai se realizar ou não. O presidente tem um grande interesse na questão do clima, foi um tema em todas as conversas, com Biden, com [Emannuel] Macron, com [Olaf] Scholz. Mas está muito em cima, é preciso ver os dias com o secretário-geral das Nações Unidas. Não sei ainda se o momento da participação dos governadores coincide com o dos chefes de Estado e do secretário-geral da ONU, que também têm interesse em encontrar [Lula]. Ele tem interesse em ir, indiscutivelmente. Agora, não posso dizer que o martelo está batido.

Se ele não for, iria uma equipe representando o novo governo?

Tem gente ligada ao governo, que trabalhou em programas, que provavelmente já planejava ir e provavelmente irá. Mas até que ponto podemos dizer que é uma representação do governo eleito, é um processo em andamento. Ainda há muitas discussões. Há uma clareza de que o clima é um tema central nas ações internas relativas ao desenvolvimento e na política internacional.

Quando o senhor fala em pessoas que estão ligadas ao novo governo se refere, por exemplo, à ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira?

Sim, mas ela já ocupa uma posição num painel da ONU. Ela é muito competente, trabalhou em nossos governos todos, ajudou na Fundação Perseu Abramo, pode ser, mas não sabemos ainda se o presidente vai. É uma discussão que terá de ser feita. Sua primeira visita bilateral será à Argentina.

Tem data?

Não tem data ainda. Acabamos de ganhar a eleição.

Sobre clima, o mundo tem muita expectativa sobre uma mudança de posição do Brasil. O governo eleito pretende fazer propostas antes da posse?

Ele fará gestos, e acho provável que tente ir [ao Egito], até por causa dos governadores. Porque isso teria um efeito interno positivo. Sobre propostas, é uma coisa geral ainda, o importante é a mudança de atitude. Não era clima versus desenvolvimento, sem falar na garimpagem e nas coisas criminosas. É um desenvolvimento que incorpore a dimensão climática. Isso sim, essa é a essência do pensamento do presidente Lula e das pessoas que trabalham em volta dele. Mas como será, se vai aumentar a meta [de redução das emissões de carbono], é prematuro.

O Brasil não cumpriu as metas com as quais se comprometeu em 2021…

E fará todo o possível para cumprir essas metas. Estamos pensando tudo o que tem de ser feito por pessoas que são da área, como a Izabella Teixeira, e temos a Marina [Silva] próxima de nós. Fizemos outro dia uma coletiva com Aloizio Mercadante e Marina para mostrar não só o apoio político, mas que isso está incorporado no pensamento político do governo.

Um diplomata me disse hoje que o Brasil passou, em 24 horas, de pária a influencer global…

Protagonistas. O Brasil voltou a ser protagonista, o Brasil tem esse peso e o Lula mais ainda. O interesse no Brasil é imenso. Ele falou com Biden, Macron, Scholz, Pedro Sánchez, recebeu a visita de um chefe de Estado no dia seguinte à eleição. São coisas inéditas, o mundo inteiro está pedindo para falar, não sei se poderemos atender todas as ligações que estão sendo pedidas. O Macron inclusive divulgou o vídeo da conversa com o presidente. Falar com o Brasil agora dá ibope [risos]. Jornais como o New York Times e Le Monde falaram que o que estava em jogo era muito mais do que uma eleição, é impressionante. É um momento de grande importância.

A Argentina volta a ser um sócio estratégico. E com a Venezuela de Nicolás Maduro, o Brasil vai recompor relações?

Ainda não falamos sobre isso, mas acho que não existe a menor dúvida de que o Brasil terá relações com a Venezuela, como faz o [Gustavo] Petro [presidente da Colômbia], como é normal. Agora, [foi] uma bela conversa com o Biden também, viu? Bela conversa. Uma conversa longa, sobre clima, desenvolvimento, parceria, aqui e no mundo.