O Globo, n. 32593, 01/11/2022. Política, p. 4

Transição com ou sem o Planalto

Sérgio Roxo
Bruno Góes
Jeniffer Gularte


No dia seguinte à vitória nas urnas, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e a direção do PT começaram a planejar a transição de governo, ainda que, até a noite de ontem, o atual ocupante do Planalto não tivesse reconhecido a derrota e sinalizado se vai colaborar com o sucessor. Aliados de Lula admitem esperar dificuldades para trabalhar com o governo de Jair Bolsonaro (PL) até o fim do ano, mas estão dispostos a fazer uma transição independentemente do atual presidente. Um grupo de trabalho foi criado para elaborar uma nova proposta de Orçamento e está em discussão a formação de uma equipe de transição com a presença de economistas liberais, que também poderão participar da reconfiguração da Esplanada, em janeiro.

Pela lei, o presidente eleito pode nomear 50 pessoas para a equipe de transição, com um coordenador. Os mais cotados para a posição são o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, o coordenador do programa de governo, Aloizio Mercadante, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Ela telefonou ontem para o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que foi cordial e se mostrou disposto a colaborar, segundo pessoas próximas a ela. No entanto, na rápida conversa o auxiliar de Bolsonaro não apontou quem do governo vai cuidar da transição.

— Espero que (a transição) siga a normalidade, para o bem do Brasil e do povo brasileiro. Se o presidente Jair Bolsonaro não quiser participar, ok. Mas temos instituições fortes, tanto que o Parlamento está empenhado em fazer essa transição conosco — disse Gleisi à GloboNews. — Vamos nos organizar internamente, montar a equipe, as pessoas, por áreas, por temas que já estamos vendo.

Ontem, o PT criou um grupo de trabalho para formular uma nova proposta de Orçamento ao Congresso. A enviada por Bolsonaro para 2023 é vista pelos petistas como uma peça de ficção, sem espaço para todos os programas sociais. Caberá ao senador eleito pelo Piauí, Wellington Dias (PT-PI), um dos coordenadores da campanha, levar a proposta ao relator do Orçamento, deputado Marcelo Castro ( MDB-PI), que foi ministro de Dilma Rousseff e apoiou Lula.

— A prioridade é discutir o Orçamento. Vamos começar o diálogo com os parlamentares — disse Mercadante.

Ampliação do diálogo

Ontem, Lula recebeu a visita do presidente da Argentina, Alberto Fernández, e conversou por telefone com outros chefes de Estado. À noite, a previsão era de que viajasse para o litoral da Bahia, onde descansaria até o fim da semana.

Aliados apontam a afirmação de Lula de que não pretende buscar um novo mandato em 2026, como um gesto para distensionar o ambiente político, ampliar o diálogo e ter liberdade para tomar medidas duras, ainda que custem capital político. Nesse sentido, a participação de economistas liberais na transição daria sinal mais concreto de seu compromisso com “responsabilidade fiscal, social e desenvolvimento sustentável” do que a carta vaga que divulgou três dias antes do segundo turno.

Nas articulações da reta final da campanha, Lula enfatizou que precisará de nomes de fora do PT para compor seu governo, particularmente a equipe que será responsável pela estratégia de desenvolvimento econômico. Recebeu o apoio de economistas de linha liberal, como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles e integrantes do grupo que participou da criação e consolidação do Plano Real, como Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha e Arminio Fraga. Ainda sem a escolha por Lula de nomes para pastas importantes, como a Fazenda ou Planejamento, aliados do petista indicam que alguns economistas liberais podem colaborar com o novo governo já a partir da transição, dado o desafio de encontrar uma forma conciliar o equilíbrio das contas públicas com as promessas da campanha de priorizar gastos sociais para combater a fome e a pobreza.

— A presença de pessoas com know-how, experiência de dirigir Banco Central, Ministério da Fazenda, da Economia, Planejamento, nos dá uma segurança de que não vai ser uma coisa da cabeça de um iluminado. Vai ser fruto de um amplo diálogo com um conjunto de pessoas. O Brasil é um paciente que está na UTI. Não é um médico só que vai cuidar dos vários problemas — argumenta Wellington Dias.

Meirelles 100% disponível

Um dos cotados para assumir a Fazenda, Henrique Meirelles disse ao GLOBO que técnicos com inclinação liberal devem participar dos debates e dialogar com integrantes do governo Lula. Ele conta ter reservado 100% do seu tempo para ajudar a campanha na reta final e dialogar com agentes do mercado sobre o pós-eleição.

— Deve haver algo nessa linha (de participação de liberais), é consistente com o que Lula fez no período em que foi presidente. Não adotou linha radical. Foi muito pragmático e foi a razão pela qual o governo dele deu certo. Minha expectativa é nessa direção — diz Meirelles, acrescentando que a pergunta que mais ouve de empresários é como será 2023 com Lula no Planalto.

Lula sabe que nomes do PT ligados à chamada Nova Matriz Econômica, que predominou na gestão de Dilma Rousseff, afastam os economistas que se apresentam para colaborar, mas a chegada dos liberais sofre resistências entre os aliados à esquerda. Nas diretrizes traçadas pelo PT para a campanha, há a defesa de um forte papel do Estado na indução da economia. Na campanha, o deputado Rui Falcão (PT-SP) afirmou que a pressão sobre a indicação de Lula para a Fazenda é para fazer o PT assumir “um programa que não é o nosso”. Já o deputado eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) disse que as ideias de Meirelles “são contrárias às posições que estão no plano de governo”.