Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Opinião, p. A21

Uma no cravo, outra na ferradura

Roberto Troster


O bem-estar de uma nação depende, para melhor ou para pior, da burocracia e dos burocratas. E o Brasil é o país com mais burocracia do mundo, está na 141ª posição entre 141 países, de acordo com o último relatório de competitividade global do Fórum Econômico Mundial. Isso traz consequências adversas para o emprego, o crescimento, o investimento e a concorrência da economia, que poderiam ser evitadas com uma regulamentação mais eficiente.

Se depender do Banco Central, deve permanecer nesse posto por algum tempo. No ano passado, publicou 2.228 normas, algumas delas com dezenas de páginas, complexas, que implicam alterações de outras regras e em mudanças em todas as organizações financeiras. Foram adicionadas às incontáveis já existentes.

É um recorde histórico, talvez mundial, 42,9% superior à média do triênio anterior e o dobro de 1994, quando houve a mudança de moeda e a implantação do Plano Real. No setor bancário, o impacto é mais grave do que em outros, por ser um setor intermediário, fazendo que os efeitos se propaguem por toda a economia.

Apesar de bem-intencionada, a regulamentação bancária brasileira é extensa, detalhista e desnecessariamente complexa induzindo a perdas de eficiência, a aumentos nos custos dos financiamentos e a economias de escala regulatórias e, consequentemente, a uma maior concentração do setor.

Como os custos de observância, por conta da quantidade de normas, são os mesmos para todos, e como são despesas predominantemente fixas, são proporcionalmente maiores para as instituições menores, tirando-lhes competitividade e diminuindo dessa forma a concorrência na intermediação financeira.

Quanto maior a quantidade de normas, maior a estrutura que exige advogados, contadores, economistas e consultores para operar. Além das regulamentações, as instituições devem encaminhar ao Banco Central milhares de informações, gerando contingências, multas e sanções.

Além do volume excessivo, muitas delas são supérfluas, desnecessariamente complexas e às vezes estão voltadas para objetivos não relacionados ao desempenho dos bancos. Um exemplo são as normas socioambientais. É indiscutível a preocupação com o meio ambiente de todos os brasileiros. Há alguns anos, uma iniciativa meritória de alguns bancos, divulgando práticas e ações sociais e ambientais dessas instituições, se transformou em mais um peso (pesadelo) regulatório para todos.

O Banco Central estabeleceu a obrigatoriedade de uma política de responsabilidade socioambiental, um diretor responsável e um relatório anual. Exige sistemas, rotinas e procedimentos que possibilitem identificar, classificar, avaliar, monitorar, mitigar e controlar o risco socioambiental presente nas atividades e nas operações da instituição; registro de dados referentes às perdas efetivas em função de danos socioambientais, pelo período mínimo de cinco anos, incluindo valores, tipo, localização e setor econômico objeto da operação; avaliação prévia dos potenciais impactos socioambientais negativos de novas modalidades de produtos e serviços, inclusive em relação ao risco de reputação; e procedimentos para adequação do gerenciamento do risco socioambiental às mudanças legais, regulamentares e de mercado.

Ficam as dúvidas de como um depósito de poupança polui o meio ambiente? Por que uma iniciativa que era voluntária virou obrigatória? E porque só os bancos e não todas as empresas?

Atualmente, o Banco Central tem a Agenda BC# com quatro pilares, um deles é Transparência e tem como justificativa o aprimoramento do processo de formação de preço e as informações de mercado e do BC. Ela investe no incremento da comunicação, na avaliação de resultados e na simetria de informação. Para tanto, coloca como fundamental o relacionamento com parlamentares, investidores e o grande público.

Diz ainda que o BC trabalha para que a informação flua transparentemente em todos os aspectos, como no direcionamento de crédito e nos serviços financeiros. Todavia, na nota de crédito do Banco Central falta a informação mais importante, que é o custo efetivo do crédito concedido cada mês. Portanto, não há como aferir a qualidade da política bancária com precisão.

O sistema é tudo, menos transparente. Ilustrando: uma aplicação por cinco dias, dependendo se houver um fim de semana no meio, tem a remuneração líquida diferente. Já o uso do cheque especial, nesse prazo, tem custo efetivo maior se virar o mês.

Nas informações aos clientes, um mesmo número pode significar valores bem diferentes. Se um gerente informa a taxa de 4,25%, pode se referir a uma aplicação em que a taxa é anual ao que deve ser deduzida a tributação. Já para empréstimos, o padrão é usar a taxa mensal, portanto, os mesmos 4,25% mensais equivalem a 64,78% anualizados ao que devem ser acrescentados os impostos, que variam conforme o prazo.

São bizantinos. 99% da população brasileira não têm como entender a complexidade do sistema. Mesmo assim, o conteúdo do pilar Transparência não tem ações para melhorar a transparência para os usuários. Outro pilar é Educação Financeira, o que não é possível sem entender antes como calcular as taxas efetivas das operações. Pode ser solucionado fazendo o que o resto do mundo faz.

A regulamentação deveria ser voltada apenas para a missão do BC: “Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”. Todavia, tem focos difusos e é utilizada para outros propósitos, tais como a questão socioambiental mencionada acima, a restrições nos ativos e passivos para subsidiar certos setores e o compulsório, com o objetivo de servir de base do imposto inflacionário.

A bem da verdade, a missão poderia ser aprimorada incluindo “a saúde financeira de cidadãos e de empresas”. Que poderia melhorar se cada norma tivesse um benefício concreto voltado para a missão do BC que compensasse os custos de observância.

É isso.

Roberto Luis Troster é economista robertotroster@uol.com.br