Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Especial, p. A22

‘Mesmo a redução de juros terá efeito muito limitado na atividade econômica’

Entrevista: Fernando Veloso, Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).


O coronavírus é um forte choque de oferta, que, no Brasil, deve afetar principalmente indústria e investimentos, justamente os itens do Produto Interno Bruto (PIB) que já apresentam desempenho mais fraco. Com isso, o desequilíbrio entre os componentes do PIB deve se agravar em 2020, avalia Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Segundo o economista, o terceiro ano seguido de crescimento em torno de 1% deve-se à fraqueza da produtividade, que em 2019 deve ter registrado queda de cerca de 1%. Essa fraqueza, que tem origem na forte queda do investimento durante a crise e no avanço recente da informalidade e dos empregos formais de baixos salários, é agravada pela elevada incerteza política.

Para Veloso, essa incerteza também reduz a potência da política monetária. O que fica evidente com o PIB que não acelera mesmo diante de uma queda de dez pontos percentuais da Selic, de 14,25% para 4,25%. “Medidas que normalmente teriam um impacto maior - liberação do FGTS, redução de juros - estão tendo efeito menor do que esperaríamos por causa desse ambiente que não estimula as decisões de investimento”, diz. “Mesmo a redução de juros que possivelmente virá agora, em função do coronavírus, vai ter efeito muito limitado na atividade econômica. ”

Fernando Veloso: O PIB cresceu em 2017, 2018 e 2019 a taxas parecidas, 1,3% em 2017 e 2018 e 1,1% no ano passado. Mas o comportamento da produtividade indica desaceleração bem mais forte. Ela cresceu 1,2% em 2017, 0,1% em 2018 e, ano passado, não fechamos ainda o número, mas deve ficar em torno de uma queda de 1%. Ou seja, os dados de produtividade indicam uma desaceleração ainda mais forte que a do PIB.

Valor: Por que isso acontece?

Veloso: Chama a atenção o fato de que o emprego está retomando. A geração de empregos ano passado deve ter crescido em torno de 2%. Ela já está num ritmo não muito distante do período pré-recessão. Mas esse aumento não está se traduzindo em um crescimento expressivo da produção. É um emprego predominantemente informal e mesmo o emprego formal que está sendo gerado paga salários baixos, o que também é um indicador de baixa produtividade.

Valor: E o que está gerando isso?

Veloso: Um fato fundamental é a queda do investimento. Ele desabou, atualmente deve estar em torno de 25% abaixo do que foi no segundo trimestre de 2013. Outro fator foi o aumento da informalidade. Como o setor informal é muito menos produtivo que o formal - nossas estimativas são de que o setor formal é cerca de quatro vezes mais produtivo que o informal -, esse fator também contribuiu para a queda da produtividade. Então, eu diria que são os dois componentes: a queda do investimento, num primeiro momento, e depois a alta da informalidade.

Valor: Por que o investimento caiu tanto e não se recuperou, e a retomada do emprego está se dando principalmente via informalidade?

Veloso: A minha interpretação é de que uma variável fundamental para entender o que está acontecendo é o grau de incerteza da economia. O Ibre tem um indicador de incerteza de política econômica e o nosso dado indica que ele deu um salto em 2015 e desde então, até hoje, e nós já temos o dado de fevereiro, o patamar é o mais alto da história. Isso nunca tinha acontecido.

Valor: Por que a incerteza é tão negativa?

Veloso: Porque ela atinge muito fortemente o investimento. Também prejudica muito a contratação formal, porque o emprego com carteira envolve custos, tanto de contratação, como de demissão. Então isso ajuda a entender por que aumentaram tanto o trabalho informal e por conta própria. E também há estudos que a incerteza reduz a potência da política monetária. O crescimento do PIB tem sido muito parecido nos últimos anos, apesar de uma queda da Selic de dez pontos percentuais, de 14,25% para 4,25%. Tudo isso contribui para um quadro de baixo investimento, pouca geração de emprego formal e baixa produtividade. Isso é surpreendente porque, em geral, em períodos de recuperação, a produtividade tende a aumentar ao longo do tempo. É um comportamento atípico e a incerteza ajuda a explicar isso.

Valor: No PIB do quarto trimestre tivemos uma desaceleração do crescimento em relação ao terceiro trimestre, com queda do investimento e consumo de lado. O que isso nos diz sobre a economia brasileira?

Veloso: Havia uma expectativa, com a aprovação da reforma da

Previdência e diante da capacidade ociosa ainda muito elevada, de que isso poderia gerar uma recuperação relativamente rápida da atividade econômica. O que foi surpreendente é que até mesmo a recuperação cíclica não está vindo na velocidade esperada. E novamente eu acho que isso tem muito a ver com esse ambiente de incerteza elevada. O que observamos é um crescimento ainda baixo e bastante desbalanceado. Muito baseado em consumo e serviços, enquanto indústria e investimento têm baixo dinamismo. Então não há um crescimento homogêneo, é um crescimento bastante desbalanceado.

Valor: Por que o saque do FGTS não teve o efeito esperado?

Veloso: Medidas que normalmente teriam um impacto maior - liberação do FGTS, redução de juros - estão tendo um impacto menor do que esperaríamos por causa desse ambiente que não estimula as decisões de investimento. Mesmo a redução de juros que possivelmente virá agora, em função do impacto do coronavírus, vai ter efeito muito limitado na atividade econômica.

Valor: Qual é a perspectiva que o sr. vê para o crescimento esse ano?

Veloso: No Ibre, ainda não revisamos os números, mas nossa expectativa estava em torno de 2%. Agora, além de tudo que eu falei, tem o impacto do coronavírus. É um tremendo choque de oferta, que vai afetar principalmente setores como a indústria e investimentos, que já estavam indo mal. Ou seja, esse desbalanceamento que eu mencionei, de alguns setores crescendo mais que outros, consumo crescendo mais que investimento, serviços crescendo mais que indústria, isso tende a se agravar com o coronavírus. Então as perspectivas eram de crescimento de 2%, mas agora a tendência é de revisão para baixo.

Valor: O que precisa ser feito para mudar esse quadro?

Veloso: Diminuir a incerteza. Fundamentalmente, seria um esforço mais coordenado entre Executivo e Legislativo em torno das reformas fiscais, principalmente a PEC Emergencial, a reforma tributária, e esclarecer essa questão do Orçamento impositivo, que virou um grande embate. Esse ambiente da polarização gera muita incerteza e é nocivo para todos. Mesmo para o governo isso é muito ruim, porque contribui para o baixo crescimento e politicamente não vai trazer bons resultados.