Valor Econômico, n. 4953, 05/03/2020. Finanças, p. C1

Mercado pede atuação mais dura do BC

Marcelo Osakabe
Lucas Hirata
Victor Rezende


A nova disparada do dólar contra o real, que se aproxima agora da marca de R$ 4,60, elevou os pedidos no mercado por um programa robusto de intervenção do Banco Central no câmbio. Embora a depreciação do real brasileiro tenha fundamentos econômicos, como o juro baixo e a dificuldade de a economia deslanchar, agentes financeiros começam a ver um movimento exagerado, com doses reforçadas de especulação, que exige mais do que atuações pontuais da autoridade monetária.

Ontem, o dólar fechou em alta de 1,51%, aos R$ 4,5790, bem perto de sua máxima no dia, de R$ 4,5835. Com esse novo salto da divisa americana, o real brasileiro registrou o pior desempenho entre as principais moedas do mundo.

A nova rodada de depreciação do real ocorreu mesmo depois de o Banco Central anunciar, durante a tarde, que fará hoje uma venda de 20 mil contratos de swap cambial, equivalentes a US$ 1 bilhão. A atuação da autoridade monetária serve para prover liquidez e proteção aos investidores em um momento de tensão.

O anúncio teve efeito limitado sobre o câmbio. Depois de desacelerar pontualmente reagindo ao comunicado do BC, o dólar se recuperou rapidamente e passou a subir ainda mais, o que reforça a visão daqueles que defendem um programa mais robusto de intervenção cambial pelo BC.

De acordo com um profissional de tesouraria, houve alguma frustração pelo fato de o leilão ter sido agendado para o dia seguinte, e não para a mesma sessão, como ocorreu em outras ocasiões. Pelo horário em que foi anunciado, poderia ter ocorrido uma venda no mercado à vista, o que derrubaria a taxa imediatamente, explica o profissional. “Como será na quinta-feira, o efeito vem pela Ptax e é diluído ao longo do dia. Para quem está no ‘day trade’, o impacto é menor”, acrescenta. A Ptax é a taxa de câmbio de referência no mercado, que é coletada pelo BC ao longo do dia.

Além disso, pelo tamanho da volatilidade do mercado, a oferta equivalente a US$ 1 bilhão “é pouco”, diz este interlocutor. Embora não haja um consenso entre os profissionais de mercado, existe uma leitura de que o BC deveria anunciar um programa de intervenção no câmbio, mostrando que estaria disposto a vender um volume específico de swap cambial no horário e no dia que achar mais adequado, sem um grande aviso prévio.

“O BC poderia anunciar um programa de intervenção com um volume grande, de US$ 30 bilhões, por exemplo, e manter uma aleatoriedade na venda. Ou seja, vende quando e quanto achar necessário. Não seria uma ração diária. Desse jeito, o BC inibe a atuação do especulador”, afirma Marcos Mollica, gestor do Opportunity. “As intervenções não visam segurar a cotação, mas sim evitar distorções”, diz.

Essa leitura é justificada por sinais de que o mercado local começa a mostrar uma disfuncionalidade. Quando o câmbio entra numa trajetória unidirecional como a atual, o vendedor de dólar se retrai esperando preços melhores. Já os especuladores engrossam o movimento de alta, exacerbando a tendência. É aí que as intervenções do BC se justificam.

Sócio da Macro Capital, Nilson Teixeira nota que “muita gente tem utilizado o real como instrumento de hedge, tendo em vista que o par dólar-real é muito líquido”. Assim, para ele, a forte depreciação do real frente àquela observada por seus pares, tanto nas últimas semanas como nos últimos dias, sugere que “uma comunicação sobre uma eventual atuação do BC em resposta à recorrente disfuncionalidade do mercado ou mesmo sobre um programa de intervenção de curto prazo seria importante para evitar que a depreciação cambial afete a confiança da sociedade e, consequentemente, a sua avaliação sobre os fundamentos da economia”.

Vale dizer, porém, que existem fundamentos que explicam uma certa depreciação do câmbio - mas talvez não tão intensa. Para a estrategista para moedas latino-americanas do Commerzbank, You-Na Park-Heger, a perspectiva de que o BC possa cortar novamente os juros este ano e que, com isso, a taxa real se torne negativa, é mais um dado a pressionar o comportamento do câmbio no Brasil. Ela explica que, em geral, moedas emergentes sofrem caso o juro real seja muito pequeno ou negativo. “Ainda mais no caso do Brasil, que é um país sem grau de investimento, com alto endividamento, déficit orçamentário e déficit em conta corrente”, acrescenta.