Título: Morte cala o homem que sabia demais
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Fonte: Jornal do Brasil, 13/10/2005, Internacional, p. A8
A morte, ontem, do ministro do Interior da Síria e ex-chefe da Inteligência de Damasco no Líbano por 20 anos, Ghazi Kanaan, é mais um acontecimento misterioso que envolve o país árabe. Kanaan era investigado pelo assassinato do ex-premier libanês Rafik Hariri, em um atentado ocorrido em fevereiro. Os investigadores das Nações Unidas que apuram o caso o haviam interrogado e devem divulgar um relatório nos próximos dias apontando círculos próximos ao presidente Bashar al Assad.
Kanaan foi encontrado em seu escritório, logo depois de dar uma entrevista a uma rádio de Beirute, na qual negou ter delatado integrantes do governo.
- Acredito que esta é a última vez que faço um pronunciamento público - declarou.
Segundo a agência oficial síria, o ministro ''cometeu suicídio, pouco antes do meio-dia''. Não foi divulgada a causa da morte. O ministro de Informação, Mahdi Dakhlallah, disse ter ordenado uma investigação, mas negou que a morte de Kanaan afete a estabilidade política do país. Em Beirute, onde as tevês interromperam a programação para dar a notícia, o premier Fouad Siniora disse não saber de detalhes sobre o político todo-poderoso que efetivamente controlou o Líbano como chefe dos serviços secretos.
- Que Deus tenha misericórdia dele - comentou Siniora.
Mas para o proeminente legislador e jornalista libanês, Gebran Tueni, o episódio está mal explicado.
- Não sabemos se cometeu suicídio ou se foi levado a se matar. Na Síria, há algumas pessoas que querem esconder os fatos. Não querem revelar o que realmente aconteceu durante o período de controle sobre o Líbano - suspeita.
Em Damasco, o ministro do Interior controla a polícia. Antes de ser promovido, em 2003, o general Kanaan tinha enorme poder comandando o submundo da espionagem em Beirute. Por ele passava a admissão e demissão de autoridades libanesas e interferia em todos os aspectos da vida política e militar do país vizinho.
Na entrevista, Kanaan, de 63 anos, confirmou que havia conversado com investigadores da ONU. Mas insistiu em negar ter dado informações que pudessem levar aos mandantes do atentado. O opositor sírio Ali Sadr el Din Bayanouni concorda que Kanaan pode ter sido assassinado ou sofrido pressão para acabar com a própria vida.
- Seu pronunciamento indica claramente que ele se sentia em perigo. E sustenta os rumores de que houve um acordo no qual Damasco concordou em sacrificar algumas cabeças para salvar o regime - disse à rede Al Jazira. Bayanouni vive exilado em Londres, depois que o governo baniu sua organização síria-muçulmana, Irmandade.
As Nações Unidas, por sua vez, preferiram não relacionar o ''suicídio'' ao inquérito.
- Não se pode especular por que esta pessoa está morta. O relatório sobre Hariri está sendo concluído. Devemos esperar os resultados - disse o porta-voz Stéphane Dujarric.
Antes de a morte de Kanaan ser anunciada, o presidente Bashar Assad deu uma entrevista à CNN na qual declarou que se a investigação tiver qualquer prova de que a Síria esteja envolvida no atentado contra Hariri, os implicados serão acusados de traição nacional e podem ser entregues à Corte Penal Internacional.
Segundo jornais libaneses, além de Kanaan, outras seis autoridades do alto escalão foram interrogadas pela ONU no mês passado, sobre o assassinato de Hariri. O chefe de Inteligência da Síria, general Rustum Ghazale, e dois assessores, estão entre eles. Os investigadores já declararam como suspeitos quatro generais libaneses, próximos a Damasco. Todos estão detidos. O relatório deve sair no dia 25.
Demais suspeitos, diz a mídia árabe, incluem funcionários da segurança da Síria, parentes e amigos íntimos de Assad. Alguns membros da família têm cargos nos serviços de segurança e na Inteligência.
Em junho, o Tesouro dos Estados Unidos anunciou o congelamento dos bens financeiros de Kanaan e seu sucessor no Líbano, o general Rustom Ghazali, com a intenção de ''isolar financeiramente os maus atores que apóiam os esforços da Síria para desestabilizar os vizinhos''. A referência traduzia o apoio à insurgência sunita no Iraque. Washington também impôs sanções econômicas a Damasco.
Agora, a grande questão é saber por quanto tempo Assad se sustenta no poder se as investigações internacionais indicarem que seu governo participou do assassinato de Hariri. O regime não é muito popular, mas tem pouca oposição interna na nação. E para evitar que a polêmica questão ganhe ainda mais força, há relatos de que Damasco está preparando uma ofensiva diplomática para desacreditar o documento da ONU. China, Índia e Rússia poderiam ajudar Assad a bloquear uma eventual resolução no Conselho de Segurança que leve a mais sanções contra o país.