Valor Econômico, n. 4954, 06/03/2020. Brasil,
p. A2
Ruídos na política reeditam “pibinhos”
Lu Aiko Otta
Aqui em Goiás, onde está encravado o “quadradinho” do Distrito Federal,
costuma-se chamar de “situação de vaca não ‘conhecer’ bezerro” os momentos de
desorganização como o que se viu na Esplanada dos Ministérios após o
anúncio do “pibinho” de 1,14% em 2019, um resultado mais mirrado do que os do
governo Temer.
Começou com o
presidente Jair Bolsonaro escalando um humorista para comentar a taxa de
crescimento econômico. Depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
afirmou não ter entendido o “alarde” em torno do resultado, porque o esperado
era 1%.
Pareceu um recado a
quem espalhou, nos bastidores da Esplanada, que há frustração no Planalto com a
economia fraca e com o “posto Ipiranga”, que na campanha eleitoral prometia uma
recuperação rápida. Em novembro de 2018, disse que o país poderia entrar 2019
crescendo a 3,5%.
O desconforto com o
“pibinho” foi escancarado ontem por um integrante da sua equipe, o secretário
do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. “Não é normal país em desenvolvimento
como o Brasil crescendo 1% ao ano”, afirmou. Horas depois, Guedes respondeu
pela imprensa. “Se Mansueto esperava que PIB fosse
crescer 3%, deve estar frustrado; nossa previsão sempre foi 1%. ”
De quebra, o ministro
renegou a estimativa de crescimento de 2,4% em 2020 divulgada por sua pasta.
Disse que é um cálculo da Secretaria de Política Econômica (SPE), e não seu.
Guedes aposta em 2%.
Toda essa estridência
desvia o foco da enorme lista de mudanças que precisam ser feitas para
romper o ciclo dos “pibinhos” e colocar o Brasil numa trajetória de crescimento
sustentado. São medidas que dependem fundamentalmente do Congresso Nacional.
O próprio ministro
imprimiu tom dramático à lista de pendências no Legislativo. Reunido com
movimentos de rua para pedir-lhes apoio à agenda de reformas, disse que o governo
tem 15 semanas para mudar o Brasil. Este é o prazo até o recesso parlamentar de
julho. Depois disso, o calendário eleitoral vai dominar as atenções no
Legislativo. Temas complexos, como reformas, têm menor chance de avançar.
A lista de prioridades
legislativas de Guedes contempla, além das reformas tributária e
administrativa, as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do
Pacto Federativo e dos Fundos, a autonomia do Banco Central, a autorização para
privatizar a Eletrobras, a nova lei do gás, o marco legal da cabotagem, o
novo marco do setor elétrico e alterações no regime de partilha dos recursos do
pré-sal.
O próprio governo se
atrapalha nessa agenda. O envio da reforma administrativa foi novamente adiado.
Guedes ainda não encaminhou ao Congresso suas contribuições à reforma
tributária.
“Aprovar tudo em 15
semanas é difícil”, avalia o diretor de Economia da Associação Brasileira da
Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha. “Mas uma coisa é
perder tempo discutindo temas complexos com a sociedade, e outra é a agenda não
andar por causa dos ruídos. ”
Sem as reformas, o
impulso dado ao consumo das famílias com a liberação do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS) não deflagrou a retomada do crescimento, como se esperava.
“Pisaram no acelerador, mas mantiveram o freio de mão puxado”, comparou.
Ao lado desse, o outro fator de alerta no resultado do PIB é a queda de 3,3%
nos investimentos.
“Se não tem
investimento público, a roda não gira”, afirmou. Por mais que o setor privado
tenha aumentado sua presença na infraestrutura, por meio do programa de
concessões, há um limite para isso. “Empresa nenhuma entra em chão de terra”,
disse. E 86% das rodovias brasileiras não são pavimentadas.
A Abdib sugere que os
recursos arrecadados pelo governo com outorgas em concessões sejam
integralmente direcionados aos investimentos públicos. Essa forma de
financiamento é ideia é defendida há anos pelo ministro da Infraestrutura,
Tarcísio Gomes de Freitas, e foi incluída no novo marco regulatório das
concessões, que está sendo elaborado pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania -
SP). Mas a área econômica é contrária a esse dispositivo.
A adoção de estímulos
fiscais ao crescimento foi defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao comentar o resultado do PIB. “A grande mensagem é que
a participação do Estado será sempre importante para que o Brasil possa crescer
e se desenvolver. ”
O Ministério da
Economia pensa o contrário. Dada a situação das contas públicas, com déficit
ainda elevado, aumentar os gastos públicos traria mais insegurança aos agentes
econômicos. Assim, em vez de ajudar, prejudicaria a atividade econômica,
segundo explicou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. É preciso
persistir nas reformas e combate à má alocação de recursos, disse.
Antes de partir para
os estímulos fiscais, o governo deveria usar mais seu arsenal monetário e creditício,
comentou o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero.
“Nossa melhor chance é na política monetária”, disse.
Ou seja, redução de
juros e avanço da agenda do Banco Central. Ele acha que haveria pouco
espaço para elevar investimentos públicos e a medida traria insegurança. “É
muito risco para sairmos de quase nada para quase algo”, afirmou Montero.
O governo de Jair
Bolsonaro tem sido marcado por polêmicas vazias e, na relação com o
Legislativo, pela falta de uma base congressual. Mesmo assim, foi aprovada
a reforma da Previdência. Se o ambiente fosse de construção, certamente a
agenda de reformas estaria mais avançada. E um novo “pibinho”, mais distante.
A próxima semana pode
trazer novos lances na disputa sobre o controle de verbas federais. Com o
Orçamento impositivo, o governo terá ainda menos controle sobre o destino
dos poucos recursos públicos que restam para investir.
Lu Aiko Otta é
repórter. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Claudia
Safatle
E-mail: lu.aiko@valor.com.br