Valor Econômico, n. 4954, 06/03/2020. Brasil, p. A8

Guedes recusa-se a assinar projeto que viabilizou acordo com Congresso

Fabio Murakawa
Ribamar Oliveira


O ministro da Economia, Paulo Guedes, recusou-se a assinar um projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso Nacional (PLN), que é a base do acordo firmado entre o Palácio do Planalto e as lideranças políticas para encerrar o impasse a respeito do controle de R$ 30 bilhões do Orçamento.

O PLN 4 acrescenta um parágrafo único ao artigo 66 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), estabelecendo que cabe ao relator-geral do Orçamento e às comissões da Câmara e do Senado indicar os beneficiários das emendas que fizeram e a ordem de prioridades apenas nos acréscimos das programações originais feitas pelo Executivo ou de novas programações.

Por duas vezes, Guedes recomendou o veto a esse dispositivo aprovado pelo Congresso no ano passado e neste ano, com o argumento de que ele “é contrário ao interesse público” e investe “contra o princípio da impessoalidade que orienta a administração pública”.

O relator-geral utilizou um tipo especial de emenda. Ele cortou da proposta algumas programações feitas pelo Executivo e, em seguida, as reintroduziu como emendas suas ao Orçamento. Com isso, ele acabou apresentando emendas no montante de R$ 30 bilhões, um recorde histórico. Com base no dispositivo vetado por Bolsonaro, depois de ouvir Guedes, o relator-geral iria definir os beneficiários dos R$ 30 bilhões e a prioridade de execução das programações, deixando muito pouco espaço para a gestão do próprio Executivo.

O Congresso ameaçou derrubar o veto do presidente, abrindo uma crise entre com o Executivo. Em negociação, o Planalto concordou em encaminhar um PLN ao Congresso, restabelecendo a capacidade do relator-geral e das comissões das duas Casas de indicar os beneficiários das emendas e a prioridade da execução apenas no que toca aos acréscimos realizados nas programações originais do Executivo e no caso de novas programações. Foi a condição imposta pelos líderes para não derrubar o veto de Bolsonaro.

O ministro da Economia, no entanto, não assina a exposição de motivos desse projeto, que foi firmado apenas pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo (Segov).

Consultada, a assessoria de Guedes informou que ele não assinou o PLN porque isso cabia ao Segov, não a ele. Mas Ramos, responsável pela articulação política do Planalto, não participa da Junta Orçamentária do governo federal.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, houve uma conversa entre os dois ministros em que Guedes expôs sua insatisfação com o acordo e se recusou a assinar esse PLN, um dos dois encaminhados ao Congresso como parte do acordo. O outro projeto regulamenta as emendas constitucionais 100 e 102, que criaram o Orçamento impositivo. Outro PLN reclassifica despesas do Orçamento.

Com o acordo fechado entre Planalto e líderes, o valor das emendas do relator-geral seria reduzido dos R$ 30,1 bilhões para algo como R$ 17,5 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Ele indicaria os beneficiários desses recursos. Nos R$ 30,1 bilhões do relator, R$ 1,5 bilhão foi destinado a uma reserva de contingência, chamada de “despesa financeira”. O Executivo retomaria a gestão de R$ 11,4 bilhões, antes geridas pelo relator-geral e pelas comissões.

O Valor apurou ontem que o governo já empenhou, ou seja, já autorizou o gasto de R$ 1,5 bilhão de emendas do relator-geral e de R$ 300 milhões de emendas de comissões. Isso foi possível porque Bolsonaro vetou o artigo da LDO que estabelecia o direito do relator e das comissões indicarem os beneficiários dos recursos.

“Ele [Guedes] não iria assinar o PLN porque lá atrás recomendou o veto”, disse uma fonte. “Tem sempre uma posição política e uma posição técnica. Se a política prevalece e não fere a lei, muitas vezes ela prevalece sobre a técnica. ”

Segundo essa fonte, essa não foi a primeira desavença entre Guedes e o Planalto sobre textos encaminhados ao Congresso. O ministro trabalhou contra a medida provisória que criou a Nav Brasil, que deve assumir as atribuições relacionadas à navegação aérea hoje a cargo da Infraero. Mas a vontade do Planalto - e dos militares - prevaleceu, e a MP foi aprovada.