O Globo, n. 32597, 05/11/2022. Economia, p. 13

Plano B no radar

Fernanda Trisotto
Bruno Góes
Paula Ferreira
Manoel Ventura
Sérgio Roxo


A equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou a detalhar na sexta-feira os dois caminhos possíveis para conseguir espaço no Orçamento de 2023 para tirar as promessas da campanha do papel. Ao mesmo tempo em que indicou que a chamada “proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição” começará pelo Senado para ter tramitação mais célere, integrantes da equipe do presidente eleito confirmaram que trabalham com um “plano B”: criar créditos extraordinários por meio de uma medida provisória (MP).

— Não podemos entrar 2023 sem auxílio emergencial e sem aumento real do salário mínimo. Tenho certeza de que o Congresso vai ter essa sensibilidade, o Tribunal de Contas. Então, estamos analisando todas as oportunidades para entregar ao povo brasileiro aquilo que foi tratado com ele no processo eleitoral — afirmou Gleisi Hofmann, presidente do PT.

A primeira opção segue sendo alterar a Constituição para manter a transferência de renda em R$ 600 mensais (o programa deixará o nome bolsonarista de Auxílio Brasil e voltará a ser Bolsa Família), dar um aumento real do salário mínimo, recompor programas como o Farmácia Popular, a merenda e retomar obras públicas. A medida dá mais segurança jurídica, mas exige uma votação maior com Lula.

A MP seria uma solução mais simples — e frágil. A justificativa para baixar uma medida provisória seria a prorrogação da situação de emergência decretada por Jair Bolsonaro para ampliar o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600. Pelas regras em vigor, o valor ampliado do benefício perderá validade em 31 de dezembro, já que essa despesa não está prevista no Orçamento do ano que vem.

Mas além do risco jurídico, esse caminho torna mais difícil englobar soluções para outras despesas, como o aumento do salário mínimo.

Articuladores divididos

Ainda não há consenso entre os articuladores de uma solução orçamentária sobre qual o melhor caminho a seguir:

— A emenda constitucional é muito segura. O crédito extraordinário é uma alternativa também já experimentada: você tem uma situação de emergência, e aí prorroga ou não prorroga a emergência. Nós temos uma situação crítica. No entendimento com as duas Casas, até para que a gente tenha segurança, não apenas para o ano de 2023, mas também para a frente, é o projeto de emenda constitucional — disse o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), um dos coordenadores da campanha de Lula.

Dias disse que há um trabalho conjunto de formatação da PEC entre equipes técnicas do governo eleito e de parlamentares, como os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).

Mas Pacheco indicou preferência pelo crédito extraordinário, em entrevista à GloboNews:

— Se houver alternativa através de MP com crédito extraordinário para que tudo isso possa ser implementado, não mexer na Constituição Federal seria uma opção melhor. Mas se a técnica e os consultores recomendarem que a segurança jurídica necessária é alteração constitucional, infelizmente reputaremos como necessária mais essa alteração para bem do povo brasileiro — disse Pacheco, que indicou “boa vontade” para manter o benefício social em R$ 600 .

Risco político

A alternativa de crédito extraordinário surgiu entre a equipe do petista depois que, na quinta-feira, Renan Calheiros (MDB-AL) disse que a “PEC da Transição” é um erro e que o ideal seria os representantes do governo eleito procurarem o Tribunal de Contas da União (TCU), no lugar do Centrão, para viabilizar o pagamento do benefício de R$ 600 em 2023. Renan é apoiador de primeira hora de Lula e adversário do presidente da Câmara.

Lideranças do Congresso avaliam que a “PEC da Transição” é alternativa mais viável que a solução por MP.

Segundo integrantes da equipe de transição, se o caminho for a MP, ainda seria necessário aprovar projeto de lei para resolver a meta fiscal. Uma PEC, se aprovada, resolveria tudo de uma vez.

Para evitar dúvidas a respeito da solidez jurídica de uma solução via MP, integrantes do PT consultaram ministros do TCU para saber se seria possível a equipe de transição fazer uma consulta formal à Corte antes mesmo da posse.

A resposta foi positiva, mas o partido ainda não discutiu o mérito da questão com os ministros do TCU. Agora, o partido estuda se entra ou não com a consulta à Corte. O PT não quer ser alvo de questionamentos no futuro que possam dar algum tipo de margem à abertura de processos.

Por isso, o caminho da PEC é considerado mais seguro (e foi usado pelo governo Bolsonaro todas as vezes em que precisou gastar mais).

O caminho, então, seria continuar focando na PEC, que terá tramitação iniciada pelo Senado para ter caminho mais célere. Na noite de quinta-feira, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), já informou ao GLOBO que a PEC terá um valor definido, para evitar a má vontade dos parlamentares e do mercado financeiro, que não querem passar um “cheque em branco” orçamentário para Lula.

Segundo fontes da equipe de Lula, o valor ideal de R$ 200 bilhões para a PEC agora já está sendo revisto para R$ 152 bilhões, em uma conta que engloba oito promessas feitas pelo petista ao longo da campanha. A definição sobre o valor exato da “licença para gastar” deve ocorrer na segunda-feira.

Uma semana em cada casa

Com um texto conciso, a avaliação de líderes ouvidos reservadamente pelo GLOBO é que a PEC terá tramitação e aprovação rápidas, em até uma semana em cada Casa, mesmo expediente usado na tramitação da PEC Eleitoral, que garantiu o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil até dezembro deste ano.

Isso porque rejeitar uma proposta que amplia pagamento de benefícios sociais é visto como um “suicídio político”. As discussões entre os parlamentares agora giram em torno da definição desse rol de programas. Bolsa Família e aumento real do mínimo são prioritários.

A inclusão de ações como a recomposição do orçamento do Farmácia Popular e da merenda escolar também deve ter apelo. Um ponto de divergência é a licença pretendida pelo PT para ampliação do Bolsa Família: Lula prometeu um adicional de R$ 150 para crianças até 6 anos de idade.

Parlamentares da base de Bolsonaro avaliam que seria difícil manter o apoio a um texto que contemplasse essa ampliação, logo de cara. Como esta era uma promessa apenas de Lula, eles defendem que o tema seja discutido a partir de 2023, assim como reajustes maiores do que os já previstos para servidores públicos.