Título: Trapalhada de alto custo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/10/2005, Opinião, p. A10
Exemplo da miopia que turva o horizonte de um setor estratégico para a economia brasileira, o novo surto de febre aftosa exigirá do governo a visão que lhe faltou nos últimos dois anos. No lugar, contudo, de uma ação preventiva, que demandaria modestos recursos se comparados aos riscos de agora, será preciso dedicar monumentais esforços para evitar que a perda de credibilidade castigue o maior produtor de carne do mundo. Ontem as cifras das perdas nas exportações atingiam projeções perturbadoras: algo próximo a 60% do que a carne representa em negócios com o exterior. Eis a previsão de uma crise decorrente do embargo total ou parcial ao produto brasileiro por quase 40 países. Somados os derivados, o Brasil tinha meta de cerca de US$ 8 bilhões para as exportações deste ano. Do governo se exige a adoção enfática de medidas emergenciais e eficazes. Delas, bem como do surgimento de novos focos, dependem a duração e a sustentabilidade do embargo dos compradores. São incertas ainda as dimensões do quanto o descaso oficial custará em matéria de emprego, renda e investimentos futuros. As evidências, no entanto, asseguram desde já o sério comprometimento de toda a cadeia de negócios de produtores e frigoríficos do Mato Grosso do Sul - impedidos de vender carne para fora do Estado -, o endereço do novo surto. Além dos principais destinos da carne in natura estarem com as portas trancadas temporariamente, está adiada a abertura do mercado americano - e provavelmente a do japonês - para a carne não-processada. Maus presságios para um desastre anunciado.
O governo brasileiro, afinal, errou ao contingenciar, indiscriminadamente, verbas absolutamente prioritárias. O Brasil levou anos para tornar-se o maior exportador de carne, em volume, e pode perder tal conquista em pouco tempo. Arriscaram-se centenas de milhões de dólares, talvez bilhões, para economizar algumas dezenas de milhões de reais. Gastou-se pouco mais de 1,5% do valor liberado para o combate à doença. Cerca de R$ 550 mil foram destinados este ano para um rebanho de quase 200 milhões de cabeças distribuídas em um território de dimensões continentais. Nenhum centavo para o Mato Grosso do Sul, segundo o próprio Ministério da Agricultura.
É verdade que as perdas podem ganhar feições menos desastrosas porque há forte demanda mundial de carne. Muitos países optam, por exemplo, por restrição branda, para não ter de disputar os elevados preços da carne australiana com os japoneses. Essa possibilidade, no entanto, não eximirá as autoridades brasileiras de negociar com os governos de países compradores para tentar diminuir o tamanho do prejuízo. Em outras palavras, gastará tempo e energia não para ganhar a batalha, mas para compensar uma trapalhada. A tarefa, a ser cumprida imediatamente, é justificável: ninguém pode ser grande no mercado internacional sem o atestado de confiabilidade. Tal requisito, no entanto, dificilmente resiste ao desleixo na política de sanidade animal e vegetal.
Acrescentem-se aos problemas da febre aftosa uma safra menor e a sobrevalorização do dólar e se terá o desenho dos riscos que cercam o agronegócio - justamente o maior sustentáculo de um governo que vai mostrando rara competência para provocar dissabores até naquilo que dá certo.