O Globo, n. 32596, 04/11/2022. Economia, p. 17

Petrobras aprova pagar R$ 43,7 bi de dividendos e desagrada à equipe de Lula



O Conselho de Administração da Petrobras aprovou ontem a distribuição de R$ 43,7 bilhões em dividendos aos acionistas, o que desagrada à equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com base no montante já pago no primeiro semestre e no valor aprovado ontem, o total repassado a investidores até o fim do terceiro trimestre chega a R$ 179,9 bilhões.

O pagamento, apoiado pela maioria dos membros do colegiado, segundo fontes, foi aprovado em reunião na manhã de ontem. O conselho tem 11 integrantes, sendo seis indicados pelo governo, entre eles Caio Paes de Andrade, presidente da estatal.

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Anapetro, associação que representa petroleiros acionistas minoritários, já informaram que pretendem recorrer à Justiça contra o pagamento. O valor será de R$ 3,3489 por ação preferencial e ordinária em circulação, distribuído em duas parcelas: em dezembro deste ano e em janeiro de 2023.

O imbróglio é resultado do pagamento antecipado de dividendos, o que a equipe de transição gostaria de evitar no momento. Conceitualmente, dividendos representam uma fatia do lucro distribuída a acionistas. Nos últimos anos, ao longo do governo de Jair Bolsonaro, eles tiveram um salto.

Gleisi: ‘sangria’ da estatal 

E, no fim de 2021, a Petrobras mudou sua política de remuneração aos investidores. Quando ela tem endividamento bruto inferior a US$ 65 bilhões, pode distribuir aos acionistas até 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos. Logo, teoricamente, mesmo que tenha lucro modesto, pode pagar dividendos significativos se o caixa for alto e o investimento, baixo.

O argumento contra a antecipação é que, de acordo com a Lei das Estatais, a distribuição de dividendos deveria ser aprovada em Assembleia Geral de Acionistas, que só deve ocorrer em 2023, ou seja, os recursos entrariam no caixa do governo federal já na gestão Lula. Como controlador da companhia, o governo federal ( União e BNDES) é o principal beneficiado pela distribuição de dividendos. Só no primeiro semestre, recebeu cerca de R$ 50 bilhões. Agora terá mais R$ 16 bilhões.

Em nota, a Petrobras ressaltou que “esses proventos serão abatidos dos dividendos a serem aprovados na Assembleia Geral Ordinária de 2023”.

Antes da decisão do Conselho de Administração da Petrobras, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, criticou em uma rede social o pagamento de dividendos, referindo-se a ele como “sangria da Petrobras”. “Passada a eleição volta a sangria na Petrobras. Estão preparando a distribuição de R$ 50 bilhões em dividendos. Não concordamos com essa política que retira da empresa sua capacidade de investimento e só enriquece acionistas. A Petrobras tem de servir ao povo brasileiro”, escreveu.

Nomes da equipe de transição classificaram o pagamento de forma antecipada agora como “raspa o caixa” e “boicote ”. No alto comando da estatal, o impasse em torno dos dividendos era visto como uma incerteza. A preocupação era com o risco de judicialização.

Compatível com resultado

“A aprovação do dividendo proposto é compatível com a sustentabilidade financeira da companhia no curto, médio e longo prazo e está alinhada ao compromisso de geração de valor para a sociedade e para os acionistas, assim como às melhores práticas da indústria mundial de petróleo e gás natural”, disse a estatal. A companhia destaca que não existem investimentos represados por restrição financeira ou orçamentária e que “a decisão do uso dos recursos excedentes para remunerar os acionistas se apresenta como a de maior eficiência para otimização da alocação do caixa.”

Para Ilan Arbetmana  na lista de research da Ativa, a companhia deve passar por mudanças, com perspectiva de dividendos ao longo dos próximos anos. Ele espera um volume maior de investimentos:

— Possivelmente, teremos o pré-sal dividindo espaço maior com refino e geração renovável. A companhia vai voltar a investir mais em segmentos nos quais não tem a vantagem comparativa que tem em exploração e produção.

Para o especialista em renda variável da SVN Investimentos, Pedro Queiroz, boa parte da atração dos papéis da estatal está relacionada ao pagamento de proventos. De acordo com a gestora britânica Janus Henderson, no segundo trimestre a Petrobras foi a maior pagadora de dividendos no mundo. (Colaborou Vitor da Costa)