Valor Econômico, n. 4955, 07/03/2020. Brasil, p. A2

Sob nova direção, Dieese mira era do ‘direito social’ no sindicalismo

Thais Carrança


O sociólogo Fausto Augusto Junior assumiu em fevereiro a diretoria técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), após 16 anos de gestão do também sociólogo Clemente Ganz Lúcio. Ele chega ao cargo com o desafio de tocar um instituto de pesquisa que perdeu desde 2015 cerca de metade do orçamento e do quadro de pessoal, em meio à redução de receitas dos sindicatos e ao término de contratos com governos estaduais e federal.

Com a entidade já ajustada à nova realidade de receitas, Fausto vê como principal desafio para o futuro do Dieese ajudar o sindicalismo brasileiro a repensar o mundo do trabalho, diante do avanço das novas formas de ocupação e da informalidade. Com a diminuição do contingente de trabalhadores protegidos pela legislação trabalhista, o sociólogo avalia que faz-se necessário um avanço dos direitos sociais, um desafio num momento em que ambas as esferas de direitos estão, na sua visão, sob ataque.

 

Este trecho é parte de conteúdo que pode ser compartilhado utilizando o link https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/09/sob-nova-direcao-dieese-mira-era-do-direito-social-no-sindicalismo.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
Textos, fotos, artes e vídeos do Valor estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do Valor (falecom@valor.com.br). Essas regras têm como objetivo proteger o investimento que o Valor faz na qualidade de seu jornalismo.

Nos quadros do Dieese desde 1996, Fausto entrou para o instituto ainda antes de se formar em Ciências Sociais pela USP, como auxiliar técnico na área de banco de dados de negociações salariais. Passou por diversos cargos de assessoria a sindicatos, até chegar à diretoria da instituição em 2016, ocupando o posto de coordenador de educação. Ao fim do passado, foi escolhido em assembleia como sucessor de Ganz Lúcio.

Segundo o sociólogo, as trocas de diretoria técnica do Dieese tendem a acompanhar as mudanças de ciclo no país. “Walter Barelli fica dos anos 1960 até o início dos anos 1990, com a redemocratização. Sérgio Mendonça atravessa todo o período Fernando Henrique e sai quando entra o governo Lula. E Clemente pega todo o governo Lula e Dilma. São normais as mudanças em momentos de grande transição”, diz.

O novo diretor afirma ainda que a alteração é parte de um processo de transição geracional no Dieese, com a saída de técnicos que entraram no instituto nos anos 1980 e que estão se aposentando. A troca é também uma forma de reduzir custos, em meio a um momento de dificuldades financeiras. “Nos últimos três anos passamos por uma redução importante no número de pessoas, tínhamos quase 350 funcionários e hoje estamos com a metade disso”, relata Fausto.

O diretor não revela o orçamento anual da entidade, mas conta que ele também foi reduzido pela metade. Com 65% das receitas originadas nas mensalidades pagas pelos sindicatos associados e 35% em convênios com governos, o Dieese perdeu no ano passado o principal desses contratos, o da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), feita desde o começo dos anos 1980 em parceria com a Fundação Seade, do governo do Estado de São Paulo.

A entidade também perdeu contratos com o governo federal, com a extinção do Ministério do Trabalho pelo governo Jair Bolsonaro. “Mas a principal perda foi a redução de recursos disponíveis para o movimento sindical em geral, com a reforma trabalhista”, diz Fausto. Segundo ele, não houve grande perda no número de sócios, que chegaram a ser em torno de mil e hoje são cerca de 700. Mas houve redução das mensalidades e de aportes extraordinários feitos pelos sindicatos.

Com a casa adaptada aos novos tempos, Fausto avalia que o momento agora é de olhar para frente. “O principal desafio da instituição hoje está em dar conta de ajudar o movimento sindical e a classe trabalhadora a repensar um mundo de trabalho em transformação”, afirma o diretor. Outro desafio, acrescenta, é melhor mensurar o processo de avanço da desigualdade nessa nova realidade.

“O movimento sindical como o conhecemos é baseado na indústria e nos grandes conglomerados”, afirma. “Estamos assistindo a uma redução desses grandes complexos, com um avanço da terceirização e surgimento de novos modelos, como as fintechs no setor financeiro. Ao mesmo tempo, há um processo forte de individualização dos sujeitos, com essa figura do trabalhador empreendedor, em que a lógica da organização coletiva é dificultada. Os sindicatos precisam olhar para isso e pensar o processo de organização dessas pessoas. ”

Por ocasião das comemorações dos 40 anos do PT, no início de fevereiro, o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro apontou a necessidade de se pensar em um novo sistema público protetivo para os excluídos das legislações trabalhistas, que irão aumentar. Fausto lembra que os direitos sociais no Brasil são divididos entre contributivos, como a Previdência Social, e universais, como saúde e educação, além dos benefícios sociais, voltados àqueles que não podem contribuir.

“Precisamos pensar em como ampliamos os direitos universais”, disse. “Quais esses direitos, vamos ter que discutir. Nós acreditávamos numa ilusão de que o crescimento econômico e o processo de industrialização do Brasil levariam a que a economia informal se tornasse marginal, que seria resolvida com políticas focalizadas. Essa discussão foi superada com a formalização se tornando cada vez mais um núcleo muito pequeno. Temos que pensar alternativas para isso. ”

Assim, o sociólogo acredita numa maior centralidade dos direitos sociais, em detrimento dos trabalhistas, nos debates à frente. “Creio que esse deveria ser o caminho, mas não sei se será necessariamente assim, porque o atual momento é de ataque às duas esferas”, afirma, lembrando que o debate de expansão de direitos está intimamente ligado à questão da arrecadação e à forma de distribuição da carga tributária entre as diferentes camadas da população.

“A disputa do fundo público está posta e acho que esta é a grande tarefa do movimento sindical”, afirma. “Sozinho? Não, mas com os movimentos sociais que já estão fazendo essa reivindicação. ”