Valor Econômico, n. 4955, 07/03/2020. Política, p. A8

Reforma tributária pode debater progressividade
Fabio Graner 


Mesmo sem constar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, principal base da reforma tributária em discussão no Congresso, a questão da progressividade do sistema tributário brasileiro deve ser um dos grandes pontos de embate na comissão especial criada nessa semana. O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da matéria, admitiu a interlocutores que vai ter que discutir essa questão, segundo apurou o Valor.

A leitura de Ribeiro é que, embora a PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), seja só da tributação sobre consumo, a PEC 110, do Senado, tem pontos que tratam de temas relativos à progressividade (como tributação sobre renda e patrimônio).

Recentemente, o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e ex-secretário de política econômica do ministério da Fazenda, Bernard Appy, que desenhou o texto apresentado por Baleia Rossi, recentemente já levantou a possibilidade de usar a tributação sobre a renda para compensar impactos de alta do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para alguns setores, como o de serviços. A tese está sendo considerada pelo relator.

O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) é um dos que destacam a necessidade de a questão da progressividade entrar na pauta do colegiado. Para ele, temas como a introdução de tributação em embarcações e aeronaves, além de taxação de dividendos, hoje isentos, não podem ficar de fora do debate e de uma reformulação do sistema.

“A PEC 45 trata só de consumo. A reforma não pode se encerrar na simplificação tributária. É claro que tem que ter isso, mas precisa tratar também de patrimônio e renda”, afirmou Benevides, que já foi secretário de Fazenda do Ceará. “Hoje só se arrecada R$ 95 bilhões com patrimônio. Não faz sentido pagar IPVA pra carro e não pra barco e helicóptero”, acrescentou o parlamentar, lembrando que o imposto sobre heranças nos Estados Unidos chega a 42%, enquanto no Brasil está em 8%. Para ele, essa alíquota deveria dobrar.

Benevides também defende que se altere a legislação do Imposto de Renda, promovendo a taxação dos dividendos e reduzindo parcialmente a carga do IRPJ. Para as pessoas físicas, defende aumentar a faixa de isenção, mas colocar uma alíquota adicional acima de 27,5% para rendas mais altas.

Essa linha de raciocínio também deve ser encampada por outros grupos oposicionistas. Um senador do PT afirmou que a estratégia na comissão especial será centrar foco na questão da justiça tributária.

Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório de mesmo nome, o tema da progressividade é “inescapável”. “Não dá para fazer reforma só do consumo, ampliando a concentração da arrecadação sobre o consumo, que atinge os mais pobres”, afirmou. “A PEC 45 é absolutamente silente sobre a questão da renda e mesmo a 110 não tem muita coisa”, afirmou.

Ele destaca que, fora da comissão especial, já começa ganhar terreno uma proposta para reformular a tributação de renda. É o PL 1952/2019, que inclusive entrou na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A proposta mexe no IR de pessoa física, elevando para quase R$ 5 mil a faixa de isenção e, a partir daí, apenas uma alíquota de 27,5%. Também estabelece taxação de 15% sobre dividendos. Para Bichara, o problema é que o PL reduz pouco o IRPJ para compensar com o dividendo, o que reduziria a competitividade das empresas locais.

Para o presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário, Gustavo Brigagão, apesar de ser necessário discutir a questão da renda, a comissão especial não seria o foro adequado para isso e a inclusão desse tópico mais atrapalharia. “Os sistemas propostos nas PECs 45 e 110 são de tributação no consumo. O cenário já está complicado o suficiente para se introduzir outro assunto. A tributação da renda pode ser por PL, em outro foro.”

“Se juntar a discussão jamais se chegará a uma conclusão”, disse o sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada. “O que tem que se discutir é possibilidade de pluralidade de alíquotas para o IBS. Não dá para ter uma só, senão a carga de alguns setores aumentará demais”, afirmou.