O Globo, n. 32598, 06/11/2022. Opinião, p. 2
O que mudou na cabeça do brasileiro?
Merval Pereira
De 2002 até hoje, que mudanças fizeram a cabeça do eleitor brasileiro? O cientista político Alberto Carlos de Almeida vai atrás dessa resposta 20 anos depois de ter feito a primeira pesquisa, que resultou no mais amplo levantamento sobre o que move o eleitor brasileiro. O PT sempre venceu o segundo turno por uma vantagem em torno de 60% a 40% contra o PSDB, exceção feita em 2014, quando Dilma venceu o tucano Aécio por três pontos percentuais. Em 2018, os conservadores cresceram, levando Bolsonaro à presidência da República e agora dividindo o eleitorado, perdendo pela menor margem já registrada em um segundo turno.
Alberto Carlos de Almeida acha que uma mudança que o Brasil sofreu nesse período, que ainda depende da validação da pesquisa, é que o eleitorado passou a se sentir claramente ancorado por suas respectivas representações, na esquerda e na direita, “antes os terrenos eleitorais eram mais fluidos”. O jogo eleitoral brasileiro ficou mais parecido com as eleições de outros países: França, Estados Unidos, países da América do Sul como Argentina, Peru, devido, segundo Alberto Carlos de Almeida, o amadurecimento do eleitorado, o reconhecimento de seus representantes.
A grande novidade do Bolsonaro em relação ao PSDB tem a ver com a primeira pesquisa de 2002, que mostrou que o Brasil tem uma população muito conservadora: “Bolsonaro, talvez inadvertidamente, mobilizou esses valores conservadores que já tinham sido detectados na cabeça do brasileiro”. Uma disputa entre uma mentalidade média arcaica em contraposição à modernidade, que dá prioridade a questões de autonomia individual, para escolher o comportamento sexual, por exemplo.
O voto de Bolsonaro, nas duas eleições que disputou, é o mesmo do PSDB, que, no entanto, mobilizava basicamente o discurso econômico, explorava muito pouco os temas de costumes. As eleições têm ficado mais difíceis, e Bolsonaro representou a vida do brasileiro comum, que quer manter o mundo atual que consideram bem ordenado, sem essas novidades que desfazem tudo que gostamos e conhecemos, analisa Alberto Carlos de Almeida.
No fundo, ele diz, temos dois eleitorados no Brasil hoje: um que dá prioridade à mobilidade social dos pobres, melhoria de vida, à proteção dos mais fracos: mulheres que ganham menos que os homens na mesma função, negros, nordestinos, que se sente representado pelo Lula. O outro quer um mundo ordenado, que não tenha substituição dessas regras que já conhecíamos e em que fomos educados. Preservação de valores transcendentais da família. Ordenamento da boa sociedade com as regras estabelecidas.
O PSDB tinha essa parte do eleitorado da extrema direita, mas o discurso nunca foi extremista. Agora deu-se o contrário, o extremismo de Bolsonaro levou de cambulhão um voto de centro-direita que não é radical. Para Alberto Carlos de Almeida, as redes sociais não são definidoras de quem vai ganhar a eleição, “mas potenciam, alimentam a radicalização”. Outra constatação que será checada na nova rodada da pesquisa é que a sociedade é pró-governo, pró Estado na economia, e o governo Bolsonaro foi uma contradição, começou como liberal e terminou intervencionista, “e isso responde de alguma maneira ao que a sociedade brasileira aspira”.