Valor Econômico, n. 4955, 07/03/2020. Opinião, p. A12

A tragédia da educação

Eduardo Carvalho


Nas décadas de 1960/1970, estudei em escola pública, que, nesta época, era considerada uma das melhores do Brasil e onde ensinavam alguns professores catedráticos e autores de livros.

Entretanto, constatava-se que a maioria dos professores não conseguia lecionar metade do currículo programado para um ano letivo. Neste período, inexistiam indicadores nacionais e internacionais para avaliar a aprendizagem nos colégios. A metodologia era centrada no professor, sendo o aluno um mero receptor, sem participar de forma crítica, criativa e colaborativa da construção do aprendizado. Esse modelo era aceito porque a maioria da sociedade desconhecia melhores referências e a competitividade nacional e global era muito aquém da atual.

Passado meio século, em 2017, essa escola obteve nota 5 no final do Ensino Médio (na escala de 0-10), na última avaliação do Ideb (Indicador de Qualidade Educacional do Ensino Básico). Neste mesmo ano, considerando todas as escolas do Brasil, públicas e privadas, esse indicador foi 3,8. As escolas privadas obtiveram resultado 5,8 e as públicas 3,5. Esse desastre é igual de Norte a Sul do país. No Nordeste, esse indicador para escolas estaduais foi 3,2 e no Sudeste, 3,6. Segundo o Censo escolar 2019, havia 7,5 milhões de alunos no Ensino Médio (83,5% na rede estadual, 12,5% na rede privada e 3% na rede federal).

O Ensino Fundamental matriculou 26,9 milhões de alunos. Portanto, uma quantidade significativa de jovens parou de estudar após o Ensino Fundamental. Em 2017, segundo relatório do Ideb, o Brasil possuía 8.510 escolas estaduais, nas quais apenas 5,5% dos alunos obtiveram resultado superior a 5,2 nesse indicador.

Desde o ano 2000, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realiza o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que é aplicado para alunos de 15 anos, a partir do sétimo ano do Ensino Fundamental. A avaliação é realizada a cada três anos e, no início, começou a ser feita paulatinamente (em 2.000, para Leitura; 2.003, para Matemática e em 2006, para Ciências), tendo como objetivo compartilhar evidências das melhores políticas e práticas educacionais no mundo, para que os países proporcionem a melhor educação aos seus alunos.

Em 2018, o Pisa foi realizado em 79 países, e avaliou conhecimentos em leitura, matemática, ciências, educação financeira e competência global. Os alunos também responderam questionário sobre suas atitudes, crenças, motivações, moradias, escolas e experiências de aprendizagem. Em alguns países, além dos estudantes, professores, diretores e pais responderam às pesquisas.

Isso gerou um conjunto de informações que são relatadas em seis volumes: 1- o que os alunos sabem e podem fazer; 2- onde os alunos podem ter sucesso; 3- o que a vida escolar significa para a vida dos alunos; 4- competência dos alunos para lidar com dinheiro; 5- políticas educacionais efetivas e escolas de sucesso; 6- os alunos estão preparados para atuar em sociedade global? São mais de duas mil páginas de indicadores comparativos entre os sistemas educacionais dos países, com interpretações.

Os dados do Pisa são usados também para monitorar o progresso da meta quatro (Qualidade da Educação) de desenvolvimento sustentável da ONU-Organização das Nações Unidas e também para a determinação do Índice de Desenvolvimento Humano-IDH. Para evoluir esses indicadores, é fundamental que o sistema educacional do país esteja alinhado com as referências de conteúdo e modelo dos questionários do Pisa. Nele, o desempenho do aluno é avaliado numa escala de seis níveis. O nível mais alto exige um grau avançado de pensamento crítico.

Lamentavelmente, a evolução do Brasil no Pisa, desde que participa dessa avaliação, é pífia nas proficiências de leitura, matemática e ciências. Em 2018, os níveis 5 e 6 foram alcançados por apenas 1,9% dos alunos em leitura, 0,9% em matemática e 0,8% em ciências. Ao comparar este resultado com a primeira referência no Pisa, a China, (participou com quatro províncias - Beijing, Shanghai, Jiangsu e Zhejiang - totalizando 110 milhões de habitantes), a diferença é enorme. Neste ano, os mesmos níveis foram alcançados por 22,7% dos alunos em leitura, 44,3% em matemática e 31,5% em ciências. Os dez países melhor classificados também tiveram bom desempenho. Portanto, não faltam referências para o Brasil aprender.

Em 2019, a instituição inglesa Times Higher Education, que realiza pesquisas há quase cinco décadas, avaliou 1.400 universidades em 92 países. A sua metodologia considera indicadores de desempenho classificados em cinco áreas: ensino, pesquisa, citações (disseminação do conhecimento), perspectiva internacional e transferência de conhecimento para o mundo real. Nessa pesquisa, o Brasil teve apenas uma universidade classificada entre as 500 melhores (posição 251-300): a USP.

A gestão das milhares de escolas no Brasil é descentralizada: nos municípios, estados, e na esfera federal, que supervisiona um número reduzido de escolas. Ao Ministério de Educação-MEC, se “reportam” as Universidades e os Institutos Federais. O MEC tem orçamento anual superior a R$ 100 bilhões e cerca de 300 mil funcionários, sendo uma pasta bastante cobiçada por muitos políticos. Esse órgão, como ocorre nos melhores sistemas educacionais do mundo, deveria ser apenas responsável por criar boas políticas e aprender e disseminar as melhores práticas e metodologias educacionais. Deveria ser racional, eficiente e competente. Entretanto, lamentavelmente, é um “monstro”. Baseado nos indicadores de qualidade, esse desastre gerencial ocorre também nos estados e municípios.

Essa tragédia da educação do país é histórica, embora existam no Brasil instituições exemplares na educação básica. No ensino superior, deve-se buscar referência no mundo, principalmente nos Estados Unidos, que tem a impressionante marca de possuir 24 das 50 melhores universidades do mundo. Entretanto, para criar um círculo virtuoso na educação, são necessárias boas ações não apenas nas escolas, mas também na família e na comunidade.

Com os vícios do sistema público brasileiro, é impossível melhorar a aprendizagem nas escolas e universidades para um nível desejável e em prazo razoável. É fundamental que se promova uma reforma administrativa nas instâncias federal, estadual e municipal. Urge a população compreender como o sistema funciona, para que possa colaborar responsavelmente com a sua melhoria e cobrar das lideranças políticas soluções em prazo que o mundo competitivo exige.

Eduardo Carvalho é diretor do Global Citizenship Institute