O Globo, n. 32598, 06/11/2022. Economia, p. 17

À espera do novo Fies

Glauce Cavalcanti


Com o aceno do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de reativar programas públicos de financiamento estudantil — sobretudo o Fies, turbinado no governo do PT como estratégia para ampliar o acesso ao ensino superior —, cresce a expectativa de impacto positivo principalmente para empresas privadas do setor.

Uma reativação do programa poderia, de um lado, ampliar a entrada de estudantes na educação superior, impulsionando a inclusão de alunos hoje excluídos do segmento.

De outro, ampliaria a ocupação de vagas nos cursos de graduação e frearia o tombo no preço das mensalidades médias, reduzindo a evasão e contribuindo para melhor desempenho operacional e maior rentabilidade das instituições, afirmam especialistas.

Há, porém, dois fatores relevantes para a nova modelagem do Fies. Um é a restrição fiscal do país, o que pode pedir regras de adesão assertivas para levar o crédito a quem mais precisa. O outro é a explosão do ensino a distância (EAD), sobretudo no pós-Covid.

Maioria já é digital

Na rede privada, a graduação digital equivale a 51% das matrículas e a 70,5% dos ingressos registrados no ano passado, segundo dados do Censo da Educação Superior 2021, divulgados anteontem pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep).

— Houve lições aprendidas por todos. Hoje, o programa tem muitas travas, critérios que o tornam pouco acessível. Dependendo de como virá, pode ampliar o acesso ao ensino superior e isso é bom para todos — diz Mariana Ferraz, analista da Eleven Financial.

O Fies vale para cursos de graduação presencial, beneficiando estudantes que vêm de famílias com renda de até três salários mínimos. Em 2014, alcançou 730 mil contratos emitidos. Naquele ano, era usado como financiamento por 53% dos matriculados na rede privada. Em 2021, essa fatia encolheu a apenas 8%.

— Não sei se faz sentido ofertar para o EAD, pelo baixo tíquete médio, lembrando que os cursos híbridos estão sob o chapéu do presencial. De outro lado, pela restrição fiscal do país, faria sentido criar critérios para dar acesso a quem tem menos condições — reforça Mariana. — Há competição acirrada. E todas as cinco empresas listadas estão (com suas ações) muito baratas.

Dos cinco grupos de educação de ensino superior listados na Bolsa, quatro acumulam perdas em 2022. Enquanto o Ibovespa registra alta de 11,55% no período, as ações da Anima recuaram 14,4%; da Cruzeiro Educacional, 20,53%; da Ser Educacional, 14,87%, e da Yduqs, 19,43%, mostram dados levantados por Einar Rivero, do TradeMap. A Cogna teve alta de 34,55% pós-reestruturação.

Em outubro, reta final da corrida eleitoral, porém, o movimento foi de aumento de valor para todas elas, em ritmo que foi ao menos o dobro do do Ibovespa. Enquanto este avançou 6,26% no mês passado, os papéis da Anima subiram 18,65%; da Cogna, 12,59%, da Cruzeiro Educacional 19,68%; da Ser Educacional, 17%; e da Yduqs, 13,77%.

Os resultados relativos ao terceiro trimestre dessas empresas saem a partir da semana que vem. Com isso, elas estão em período de silêncio, no qual seus executivos não podem dar entrevistas.

A educação superior, que avançou com fôlego nos anos de expansão econômica, sofreu com o revés nas finanças do país. Na fatia privada, onde está a maioria dos alunos de graduação, houve perdas trazidas pela recessão casada à quebra do Fies — pelos custos e inadimplência crescentes —, em 2014, além do impacto da pandemia na sequência.

— As instituições de ensino perderam muitos alunos. Com a evasão em alta, a receita cai e há dificuldade em captação. A digitalização pediu grande investimento em tecnologia, o que traz custos e afeta o lucro. Os grandes grupos fizeram aquisições para ampliar a base de alunos. Estão melhorando, mas ainda sob efeito do juro alto, da queda do poder de compra das famílias e do desemprego — explica Sergio Castro, analista do TradeMap.

‘Freio’ ao EAD

O Prouni, criado no governo do PT e que transforma isenção fiscal às empresas de ensino superior em bolsas de estudos, se mantém sustentável, sendo “um dos meios mais eficientes e baratos para investir em educação pública”, afirma relatório dos analistas Vinicius Figueiredo, Lucca Generali Marquezini e Felipe Amancio, do Itaú BBA.

O documento diz que um novo Fies poderia resultar em mensalidades mais sustentáveis, maior base de estudantes e maior utilização da capacidade disponível. E poderia beneficiar especialmente Ser, Cogna e Yduqs, “dada a boa exposição dessas companhias a estudantes de baixa renda”.

Para Paulo Presse, coordenador de Estudos de Mercado da Hoper, poderia vir inclusive um “freio” ao EAD:

— Sendo devidamente direcionado para a graduação presencial, devemos ter amenização na queda de matrículas do presencial, podendo mesmo frear esse desenvolvimento.