Valor Econômico, n.
4955, 07/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1
TRF nega à Receita
Federal acesso a informações de arbitragens
Adriana Aguiar
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro,
entendeu que as câmaras de arbitragem e mediação não precisam fornecer
informações de processos à Receita Federal. A decisão, dada em recurso do
Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), é a primeira de mérito de
segunda instância que se tem notícia.
Pelo menos três câmaras
foram à Justiça depois que a Receita Federal, em 2013, passou a fiscalizá-las e
exigir, além de informações de suas atividades, dados (nomes das partes e
valores envolvidos) e acesso aos autos das arbitragens - que pelos contratos
firmados são sigilosos.
Apenas a Câmara FGV de
Conciliação e Arbitragem decidiu repassar informações à Receita Federal. O
Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC),
de São Paulo, e a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil (Camarb), de
Belo Horizonte, além do CBMA, do Rio de Janeiro, resolveram ajuizar ações.
O CBMA foi à Justiça
depois de ser notificado, em março de 2013, a entregar dados dos processos e
cópias de sentenças ou acordos arbitrais proferidos entre janeiro de 2008 e
dezembro de 2011. Em primeira instância, teve seu processo extinto, sem
análise do mérito. Mas conseguiu reverter a decisão no TRF da 2ª Região.
Por três votos a dois,
os desembargadores da 4ª Turma entenderam que os centros de arbitragem não
estão previstos no rol das pessoas e entidades obrigadas a apresentar
informações de terceiros, previsto no artigo 197 do Código Tributário
Nacional (CTN). Na lista, estão, por exemplo, tabeliães, bancos, empresas de
administração de bens, corretores, leiloeiros, inventariantes e síndicos.
De acordo com os
desembargadores, a Receita Federal não poderia ampliar o rol por norma
infralegal, o que violaria o próprio artigo 197 do CTN e o artigo 146 da
Constituição - que exige lei complementar para estabelecer normas gerais sobre
legislação tributária -, além dos princípios da segurança jurídica e reserva legal
(processo nº 0017682-42.2013.4.02.5101).
Em seu voto, o relator,
juiz federal convocado Luiz Norton Baptista de Mattos, destaca, porém, que
essas entidades devem prestar informações sobre a sua condição de contribuinte.
“Em relação às informações de terceiros, essa obrigação só pode ser imposta às
pessoas físicas e jurídicas expressas no artigo 197 do CTN ou em lei, não
podendo ser estendida pelas demais normas que compõem a legislação
tributária, como decretos e regulamentos normativos”, diz.
Para ele, o Regulamento
do Imposto de Renda “não constitui base normativa apta a obrigar que o Centro
Brasileiro de Mediação e Arbitragem cumpra com o Termo de Intimação que
determina a entrega de cópia de sentenças ou acordos exarados nos processos
arbitrais de janeiro de 2008 a dezembro de 2011, assim como dos honorários
daqueles que contrataram os serviços de mediação ou arbitragem”.
Na decisão, o magistrado
ainda cita julgamento da 3ª Turma do TRF da 3ª Região, em São Paulo, a favor do
Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (processo
nº 0025 812- 68.2013.4.03.0000). Segundo a decisão liminar, a Lei de
Arbitragem (nº 9.307, de 1996) “não prevê a obrigatoriedade de prestação de
informações como pretende o órgão fazendário”.
Apesar da citação, a
liminar foi cassada e a sentença foi contrária à CAM-CCBC, que agora aguarda
nova decisão do TRF. Os advogados da entidade preferiram não se manifestar
sobre o caso.
O processo do CBMA foi
movido pelos advogados da Comissão Especial de Assuntos Tributários da
seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). A decisão,
de acordo com o presidente da Comissão, Maurício Faro, “traz um precedente
importante ao delimitar a pretensão reiterada da Fazenda em extrapolar os limites
impostos pelo CTN”. A Receita, acrescenta, não pode usar normas, portarias e
instruções normativas para alargar a sua ação fiscalizatória.
O vice-presidente da
Comissão, Gilberto Fraga, ressalta que não há lei para obrigar as câmaras a
transmitir informações de terceiros e que a atitude da Receita afronta o
princípio da legalidade. Além disso, afirma, o artigo 2º da Lei de Arbitragem
cita apenas que “a arbitragem que envolva a administração pública respeitará o
princípio da publicidade." “Por eliminação, as demais não estão
sujeitas à publicidade.”
No caso da Camarb, a
discussão já foi encerrada, após sentença da 22ª Vara Cível Federal de São
Paulo. Ao analisar o processo (nº 00 11011-83.2013.403.6100), o juiz José
Henrique Prescendo entendeu que não se nega o direito ao acesso à contabilidade
da câmara para fins de fiscalização. “Todavia, no quanto o Fisco pretende
obter dados dos clientes da impetrante, deve-se diligenciar junto aos mesmos”,
diz na decisão.
Segundo o advogado que
assessorou a Camarb no processo, Igor Mauler Santiago, do Mauler Advogados,
como logo depois a Receita Federal encerrou a fiscalização, optou-se por
desistir do processo. Para ele, as câmaras não podem entregar as informações
solicitadas pela Receita Federal sob pena, inclusive, de cometimento do crime
de violação de segredo profissional, previsto no artigo 154 do Código Penal.
Por nota, a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que o processo do
Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem está sendo devidamente acompanhado e
que serão interpostos os recursos cabíveis. “A documentação exigida pela
Receita Federal é principalmente a da própria entidade fiscalizada (CBMA),
relacionada às receitas percebidas com a atividade de arbitragem”. Trata-se,
acrescenta, “do legítimo exercício do dever-poder de polícia fiscal,
decorrentes dos artigos 195, 197, VII, do CTN que preveem o dever legal de
prestações de informações à administração tributária, sendo que a Receita
Federal tem o dever de sigilo fiscal por determinação expressa do artigo 198 do
CTN”.