Valor Econômico, n. 4955, 07/03/2020. Finanças, p. C3

Programa para o câmbio é mais eficiente, afirma Garcia
Entrevista: Márcio Garcia, Economista, professor na PUC-Rio



Em um momento de intensa desvalorização da moeda brasileira, o Banco Central (BC) deveria lançar mão de um programa robusto de intervenção para trazer o mercado de volta à normalidade. A iniciativa serviria, inclusive, para evitar uma piora nas condições financeiras - algo que poderia prejudicar até a eficiência de novos cortes de juros. Essa é a avaliação do economista Márcio Garcia, professor na PUC-Rio, que vê nesse tipo de ação um gatilho para “tirar o mercado daquela dinâmica em que todos estão na mesma ponta”.

Neste ano, o dólar comercial já acumula alta de 15,57% contra o real, o movimento mais intenso dentre as principais moedas do mundo. Só na semana passada, a cotação subiu 3,42% e agora está em R$ 4,6343, a despeito da injeção de US$ 5 bilhões em swaps cambiais. Para esta segunda-feira, o BC já anunciou que fará leilão de até US$ 1 bilhão no mercado à vista.

Valor: Como o sr. explica a dinâmica do câmbio nos últimos dias?

Márcio Garcia: Tem alguns fatores estruturais que estão conduzindo o movimento. O fato de o juro brasileiro nunca ter sido tão baixo é um deles, e teve a nota que o BC publicou depois de o Fed baixar juros. Isso teria contribuído, porque foi interpretado como um sinal de juro ainda mais baixo. Além disso, temos perspectivas piores do que tinhamos antes para a economia brasileira, com números do PIB mostrando investimentos baixos. E, obviamente, uma grande incerteza mundial com o episódio do coronavírus, que resulta em um “risk off” nos mercados e afugenta os investidores de todos os ativos de risco, incluindo o real. São elementos que, como macroeconomista, eu vejo com clareza, mas, pelo o que eu estou lendo de profissionais de mercado, há também os fatores técnicos que têm a ver com apostas e desmonte de posições, que f com que o movimento se acentue.

Valor: Como avalia as intervenções do BC no mercado de câmbio?

Garcia: O BC não deve intervir porque acha que a taxa de câmbio está alta. Não é um bom motivo. Todos esses fatores estruturais, que eu mencionei, indicam que, de fato, o câmbio deveria se desvalorizar. Não há nada a fazer. Mas, como o movimento está sendo muito rápido e há indícios de que diversos fatores estão prejudicando o equilíbrio e o funcionamento do mercado, convém intervir. O BC tem feito as intervenções de forma ad hoc. Mas, no passado, as intervenções mais bem-sucedidas foram aquelas em que o BC mostra que tem munição grande e que está disposto a usá-la. Foi o caso do BC do Tombini em 2013 e, mais recentemente, em 2018, quando o BC avisou que ia colocar um volume grande de swaps no mercado.

Valor: Por que é mais eficiente usar um programa com um orçamento já definido?

Garcia: Isso dá certeza para o mercado que o BC vai gastar munição. O diretor financeiro de uma exportadora, por exemplo, vai fechar o câmbio mais rápido enquanto a cotação estiver em R$ 4,65, porque tem o risco de o dólar ficar em R$ 4,50 no dia seguinte. Isso tende a resultar em um funcionamento normal do mercado. Você traz de volta compradores e vendedores. Tira o mercado daquela dinâmica em que todos estão na mesma ponta.

Valor: O BC agiu certo na comunicação sobre a política monetária da última terça-feira?

Garcia: Não me parece que é uma questão de comunicação, é uma questão de decisão. Nesse contexto, a dúvida é se você deve baixar juros ou não. Eu não teria feito aquele comunicado. Não tinha necessidade de falar ali. Mas já que falou...

Valor: Por que o sr. não faria?

Garcia: Eu não faria o comunicado, porque a incerteza do momento é muito elevada. Tem possibilidade de que o aperto das condições financeiras deixe o corte pouco efetivo, ou até contraproducente. Eu esperaria para ver todos os efeitos. O Fed, por exemplo, achou que tinha de fazer o corte emergencial, duas semanas antes de sua reunião tradicional. Ele viu que precisava cortar juros para não contribuir com a piora da economia. No caso brasileiro, não foi isso. Fizeram o comunicado, mas não fizeram a ação. O comunicado não diz que a ação vai ser tomada. Mas foi interpretado como tal. Como a incerteza é muito grande, eu esperaria para tomar uma decisão na própria reunião. Mas eu não estou lá. A decisão é do colegiado.

Valor: Cortar juros e fazer uma intervenção no câmbio são decisões excludentes?

Garcia: Eu acho que não. O objetivo do BC não é o nível de taxa de câmbio, ou seja, mexer no juro ou intervir no mercado para conduzir a cotação do dólar. O objetivo do BC é manter a inflação sob controle e preservar a higidez do sistema financeiro. A inflação está sob controle e tem espaço para cortar juros. Mas tem uma questão de timing. Você poderia esperar um pouco mais, porque o movimento no câmbio está muito grande. E isso poderia prejudicar o mercado de câmbio fazendo com que as condições financeiras fiquem piores. Você baixa os juros, mas por causa do câmbio as empresas acabam tendo um custo maior para se beneficiar. O BC joga a Selic para baixo, mas o spread aumenta. Aí não adiantou nada. Se for isso mesmo que está acontecendo, é melhor esperar e baixar mais tarde.

Valor: A depreciação do câmbio pode ter um efeito mais permanente da economia?

Garcia: Movimentos muito abruptos podem gerar efeitos mais permanentes, caso as empresas estejam muito endividadas e tenham de fazer pagamentos lá fora. Isso poderia elevar os riscos de falência. Em 2002, havia um temor muito grande que levou a diretoria do Arminio a fazer uma ração diária no mercado. Não parece que estamos nessa situação. Inclusive, o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que as corporações estão diminuindo suas dívidas externas. Por isso, aparentemente, essa depreciação grande do câmbio, embora me pareça exagerada, ainda não tem efeitos permanentes.