Correio Braziliense, n. 21732,16/09/2022. Cidades, p. 16

Trabalho suado das eleições

Isac Mascarenhas


Enquanto dezenas de postulantes a cargos no Executivo e Legislativo do Distrito Federal seguem em ritmo frenético as agendas de campanha, milhares de brasilienses aproveitam a corrida eleitoral para conseguirem trabalhos temporários e driblar a crise causada pelo desemprego e pela carestia.

Sob penosos 30°C de um dia seco, Samantha (nome fictício), 41 anos, agitava energicamente a bandeira de um candidato conservador. A lida havia começado às 14h, na Rodoviária do Plano Piloto, e só terminaria às 22h. Até o próximo 2 de outubro, ela terá R$ 48,  por dia, garantidos para tentar convencer os passantes a considerar o pretendente nas urnas.

Desempregada há dois anos, ela e mais 50 pessoas aceitaram trabalhar de domingo a domingo na caça aos votos. Mesmo trabalhando com afinco, ela admite preferências divergentes. “No fundo, no fundo não vou votar nela. Já tenho meus candidatos escolhidos, mas não vou falar mal dela”, segreda.

 

Necessários

O trabalho de Samantha é fundamental para para colocar para circular o volume de material físico dos comitês de campanha. De acordo com dados do TSE, até ontem, R$ 864 milhões foram destinados ao pagamento de gráficas produtoras de panfletos, adesivos e outros materiais impressos para a campanha eleitoral.

Nas rodoviárias, estações de metrô e semáforos dos centros das regiões administrativas, lá estão os panfleteiros. A legislação eleitoral permite que cada candidato contrate até 1% da população que integra o universo onde ele disputa votos.

A presença na Rodoviária do Plano Piloto é praticamente obrigatória para os concorrentes que querem ser vistos. Segundo a Secretaria de Mobilidade e Transporte (Semob), por dia, 700 mil pessoas circulam nas plataformas do terminal.

Diariamente, Júlio (nome fictício), 22, corre para distribuir o maior número de santinhos. Natural de Vereda, Goiás, ele veio para Brasília morar com o pai em busca de oportunidades de trabalho. “Um amigo meu me indicou, disse que tinha uma vaga na campanha e eu aceitei. Desempregado, né? Qualquer oportunidade a gente pega”, afirma resignado.

Suado, ele descreve o trabalho de panfletagem como “resistência total”. Durante o serviço, Júlio conta que as pessoas passam, olham para ele com mão estendida e quando veem o panfleto, recusam. “Tem muita gente que tá cansada de política e de políticos. Algumas pessoas pegam (o santinho) e jogam no chão. Com isso, tem gente que acaba jogando para nós a questão da sujeira e da poluição das campanhas, sabe?”, lamenta.

 

Animação

Uniformizado, com adesivo no peito e bandeira na mão, o fotógrafo Lucas (nome fictício), 27, defende animado sua candidata. Para ele, não é só o dinheiro que atrai os cabos eleitorais. Trabalhando em um semáforo movimentado do Plano Piloto, ele ouve buzinadas de apoio e, às vezes, palavrões. “Eu tento não me preocupar, mas claro que eu tenho medo de agressão física”, revela.

Lucas conta que precisou vender os instrumentos de trabalho por causa da pandemia. Primeiro foi o tripé, depois, a lente 35mm. Por último, foi a própria câmera. Com o período eleitoral, ele renovou as esperanças e diz que tem planos para o dinheiro que vai receber. “Eu estou juntando para comprar meus equipamentos de volta. Além de alimento, é claro”.

O morador de São Sebastião recebe por diária e, assim como os demais entrevistados, não possui contrato ou garantias. Os recursos para pagamento dos panfleteiros em todo país são pagos com os quase R$ 325 milhões do Fundo Eleitoral, voltados para mobilizações de rua.

 

*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira