Valor Econômico, n. 4955,
10/03/2020. Brasil, p. A5
Previsões para PIB brasileiro podem
cair mais
Sergio Lamucci
Bruno Villas Bôas
Com a perspectiva de um impacto maior da epidemia de coronavírus sobre a
economia global e o mergulho dos preços do petróleo, aumentou o risco de novas
reduções das estimativas para o crescimento brasileiro em 2020. Nas últimas
semanas, as projeções caíram para a casa de 1,5% a 2%, devido à piora do
cenário externo por causa dos efeitos do vírus e da própria fraqueza da
economia brasileira nos últimos meses. Na virada do ano, os mais otimistas viam
como possível uma expansão superior a 2,5%.
Na semana passada, o diretor de
pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, cortou a sua
previsão de 2,2% para 1,5%. Com a percepção de que a crise do coronavírus terá
efeito um pouco mais longo e mais profundo e o tombo das cotações do petróleo,
“a probabilidade de um crescimento abaixo de 1% é crescente”, diz ele.
Na visão de Ramos, os efeitos dos
dois fenômenos sobre a economia brasileira ocorrem por vários canais: comércio,
turismo, fluxos de capitais, piora dos termos de troca (a relação entre preços
de exportação e de importação), devido a cotações menores de commodities, além
de problemas nas cadeias de suprimentos de bens intermediários e de insumos.
Isso afeta a capacidade de produção de setores como o de veículos, o
farmacêutico e o de eletrodomésticos. Além disso, há uma piora das condições
financeiras, diz Ramos, apontando ainda que eventuais medidas do governo para
conter a disseminação do vírus tendem a impactar negativamente a atividade,
especialmente no setor de serviços. É o caso de restrições de movimentação nos
moldes das adotadas pela China e pela Itália, além de “decisões voluntárias
para reduzir interação social”.
O Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) colocou em
perspectiva negativa sua projeção para PIB do país, atualmente em 2% para 2020,
por causa da epidemia do novo coronavírus, mas considera “prematuro” cenários
mais pessimistas para a atividade econômica.
Coordenadora do Boletim Macro do
Ibre/FGV, Silvia Matos diz que os impactos do coronavírus podem ser esperados
na indústria e nos investimentos, refletindo dificuldades de importação de insumos
da China. Para ela, esses efeitos podem retirar de 0,2 a 0,3 ponto percentual
de sua projeção para o PIB. Ela vai aguardar, porém, indicadores da indústria
para avaliar a revisão.
“É possível que alguns ramos
consigam substituir insumos por outros, desenvolver algum fornecedor, e isso
limitar o impacto”, disse a pesquisadora, após participar de seminário do
Ibre/FGV realizado ontem, no Rio.
Para ela, esses impactos não seriam
suficientes, a princípio, para reduzir as projeções de crescimento do PIB de 1,5%
em 2020, como parte do mercado vem estimando. A economista lembra que essa taxa
anual significa que o país cresceria, em média, apenas 0,25% por trimestre, na
série com ajuste sazonal, desaceleração expressiva em relação ao ritmo médio
registrado em 2019, de 0,4%.
Na visão de Silvia, os efeitos
prolongados do coronavírus sobre a economia mundial e a economia doméstica
podem levar o crescimento do Brasil para número próximo de 1%. Como o
carregamento estatístico para 2020 é de 0,8%, o número seria um “desastre”.
Para esse cenário se materializar, porém, seria necessário
impacto sobre o setor de serviços,
Na visão de Silvia, os efeitos
prolongados do coronavírus sobre a economia mundial e a economia doméstica
podem levar o crescimento do Brasil para número próximo de 1%. Como o
carregamento estatístico para 2020 é de 0,8%, o número seria um “desastre”.
Para esse cenário se materializar, porém, seria necessário impacto sobre o
setor de serviços, que representa três quartos da economia brasileira.
“A indústria, se o choque passar nos
próximos meses, recuperaria isso. Serviços, não. O que acontece hoje na Itália
é perda de PIB e não tem o que fazer. Efeito sobre setor de serviços não são
recuperáveis, como lazer, turismo. Não temos isso ainda no Brasil. Se acontecer,
o crescimento será outro. O crescimento depende de famílias e serviços”, diz
ela.
Uma das preocupações é como a crise
pode afetar a recuperação do mercado de trabalho. Ela lembra que a massa
salarial cresceu no ano passado por meio do aumento do número de pessoas
empregadas. Para ela, com a economia fraca, mais pessoas podem decidir procurar
se ocupar por conta própria, mantendo a informalidade elevada. “Isso é ruim do
ponto de vista da renda, da incerteza e do consumo de bens duráveis.”
Para Silvia, o governo precisa estar
pronto para dar fôlego para as empresas em um cenário mais intenso de crise.
Ela diz que empresas vão sofrer e podem fechar as portas. “Flexibilidade de
salários, linhas de crédito temporário”, sugere a economista. “[A liberação do]
FGTS proposta pelo governo é mais do mesmo, mas pode amenizar a situação das
famílias”.
Para a inflação, Silvia Matos diz
que a desvalorização do real ainda não tem se refletido em preços do atacado,
uma vez que tem sido compensada pela queda de preços externos.
Na semana passada, o
economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, baixou a sua projeção de
crescimento para 2020 de 2% para 1,7%, e é possível que o número seja novamente
reduzido. “Uma crise mais profunda nos próximos meses pode levar a uma revisão
para baixo de 1,5%”, diz Vale.
Com um efeito mais intenso e mais
longo do coronavírus sobre a economia global e o tombo dos preços do petróleo,
a economia brasileira é atingida pelos canais do comércio exterior e pelo da
confiança, num quadro de maior aversão ao risco, segundo ele. “Isso afeta
exportação e investimento”, afirma Vale, avaliando que o consumo também é
golpeado pelo “efeito confiança”, porque “as pessoas ficam com medo de perder o
emprego”.
No boletim Focus do Banco Central
(BC), o consenso de mercado das projeções de crescimento para 2020 caiu de
2,17% para 1,99%. Muitas das principais consultorias e bancos, porém, já estão
com números próximos a 1,5% para a expansão do PIB neste ano. Para 2021, a
mediana das estimativas dos analistas consultados pelo BC permaneceu em 2,5%.