Título: Governo tenta reação à aftosa
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/10/2005, Economia & Negócios, p. A20

O governo tenta se articular para montar uma estrutura de guerra e contornar a crise detonada pelo foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul. Ontem, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, voou para a área atingida, onde se reuniu com pecuaristas e agentes sanitários. O ministro voltou a afirmar que não faltarão recursos no combate à doença. No entanto, admite que apenas dentro de alguns dias serão liberados os R$ 3,5 milhões.

- Este valor deve ser elevado na próxima semana, mas por enquanto há garantia destes R$ 3,5 milhões - disse Rodrigues, acrescentando que ''dinheiro nunca é suficiente, mas é preciso montar estratégias para evitar problemas que possam comprometer a produção de carne em todo o país''.

Rodrigues disse ainda que estuda criar um fundo nacional para atender emergências sanitárias, como o foco de febre aftosa detectado no estado.

- Um fundo emergencial nacional pode agilizar o ressarcimento dos prejuízos causados por um acidente sanitário como esse ocorrido em Eldorado - disse o ministro.

O fundo nacional seria criado nos moldes dos já existentes nos Estados, mas que atendem somente os produtores de carne. Em Mato Grosso do Sul há o Fundo Emergencial para a Defesa da Saúde Animal de Mato Grosso do Sul (Fesa), que contempla todas as espécies animais comercializadas no estado: bovinos, caprinos/ovinos, suínos, aves e peixes.

O diretor da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Ademar da Silva Júnior, que acompanhou o ministro na visita a Eldorado, disse que concorda com a criação do fundo nacional. Segundo ele, isso seria uma garantia mais ágil de que o produtor seja ressarcido.

- O fundo é uma medida importante e eficaz, que deve trazer mais tranqüilidade à cadeia produtora - afirmou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que embarcou ontem rumo à Europa, deverá aproveitar os compromissos já agendados para divulgar as ações que o país está tomando para evitar a disseminação da doença. O embargo à carne brasileira aumentou ontem, com a confirmação de que Bulgária e Uruguai também vão proibir a entrada do produto brasileiro em seus mercados devido à descoberta de um foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul. Com isso, já somam 34 os países, incluindo os da União Européia, com restrições à carne brasileira. Estima-se que só o bloqueio da União Européia à carne do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo irá afetar 60% das vendas de carne do Brasil para o continente.

O Brasil exportou, até setembro, US$ 2,4 bilhões em carnes, cerca de 30% mais do que no ano passado.

Autoridades sanitárias do estado investigam agora a possibilidade de haver dois novos focos da doença na região, dessa vez, nos municípios de Japorã e Novo Mundo. O fato ainda está sob exame, mas a suspeita já deixou apreensivos os produtores da região.

O Serviço de Inteligência do Departamento de Operações de Fronteira também começou a apurar se a contaminação do rebanho da fazenda Vazezzo teria sido criminosa. A fazendeira, Emília Vezzozo, sustenta que vacinou os animais. O pedido de investigação foi feito pelo Estado do Mato Grosso do Sul. A hipótese de infecção proposital, no entanto, não foi confirmada pelo governo federal.

O foco de aftosa acabou revelando uma disputa que já vinha ganhando contornos na Esplanada dos Ministérios. Rodrigues se queixava do contingencimento imposto pela Fazenda ao seu ministério. Em entrevista recente ao Jornal do Brasil, o ministro da Agricultura disse que 80% de seu orçamento teria sido congelado.

Levantamento feito junto ao Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal (Siafi), revela que dos R$ 35,3 milhões previstos pelo governo no Orçamento Geral da União 2005 para a ação de erradicação da febra aftosa, apenas R$ 555,2 mil - ou seja, 1,6% - haviam sido aplicados até terça-feira. Dos valores pagos, mais de 70% foram gastos com passagens e diárias dos técnicos responsáveis pela fiscalização.

O levantamento mostra, entretanto, que mesmo com o contingenciamento imposto pela área econômica do governo, haveria dinheiro disponível no orçamento do Ministério da Agricultura, caso o governo quisesse investir na prevenção da doença. Até agora, dos R$ 355,2 milhões disponíveis em caixa para investimentos em 2005 - já excluído o montante contingenciado -, o ministério gastou apenas R$ 12 milhões.

Para o economista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Observatório Latino-Americano, Nildo Ouriques, a descoberta do foco da doença demonstra como os altos superávits primários feitos pelo governo vêm se configurando como uma ''política danosa para o país''.

- Neste caso, o problema apareceu. Mas existe um dano ainda silencioso, fruto da recessão permanente na área de ciência e tecnologia. O cenário atual ainda mantém nossos produtos competitivos, mas a densidade tecnológica vem desaparecendo. Essa será mais uma das conseqüências nefastas do contigenciamento - prevê o economista, que esteve no Rio para o Seminário Internacional Alternativas à globalização: potências emergentes e os rumos da modernidade, promovido pela Reggen (Unesco/ONU).