Título: ''Lula fez alianças precárias''
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2005, País, p. A2

Entrevista: José Carlos Aleluia

José Carlos Aleluia, deputado eleito pelo PFL da Bahia é um no plenário e outro quando está em seu gabinete. No embate público contra o governo usa seu vozeirão para bater duro no PT e em Luiz Inácio Lula da Silva. Ao chegar a sua mesa, mede as palavras e fala baixo. O líder da oposição na Câmara recebeu a reportagem do Jornal do Brasil com uma retórica clara: Lula perdeu o discurso para 2006. ¿ A classe média não perdoa o aspecto moral ¿ afirma Aleluia, reclinando-se em sua confortável cadeira preta.

O parlamentar reconhece, no entanto, que Lula pode chegar ao segundo turno ancorado na economia e ações sociais. E acrescenta que ele tem base sólida na esquerda e nos movimentos sindicais. Este aliás, segundo ele, foi o motivo que levou os partidos de oposição a desistir de bancar o afastamento do presidente por causa das denúncias do mensalão.

¿ A sociedade de um modo geral não fez (o impeachment) ¿ reconhece o deputado. É por isso que o caminho escolhido pelo campo oposicionista é tentar desqualificar Lula como administrador na eleição do ano que vem. E na tentativa de voltar ao poder central, o PFL está com um pé no palanque do candidato tucano seja ele o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ou do prefeito paulistano, José Serra.

Nem as feridas do episódio Lunus, que derrubou a candidatura da senadora Roseana Sarney, em 2002, é capaz de trincar a disposição de uma aliança entre tucanos e pefelistas. O motivo é lógico e faz sentido: a chance de derrotar Lula, que parecia impossível há um ano, é hoje concreta. Coisas da velha política.

A crise política acabou? ¿ De jeito nenhum. Os acontecimentos mostram claramente que a crise política vai se manter com maior ou menor intensidade. Mas o fato de o governo ter sido obrigado a obstruir a votação da MP do Bem, de sua autoria, que tinha uma série de coisas positivas, é uma demonstração real de que a crise permanece.

O senhor acredita que o governo tenha perdido a oportunidade de retomar a condução do processo político dentro do Congresso? ¿ O governo está confinado a uma parte do PT. E nesta votação ficou claro que ele não tem o PT todo, e os três partidos mais atingidos pelas denúncias ¿ PTB, PP e PL ¿ estão, na linguagem dos jovens, ¿ficando¿ com o governo. Não há nenhuma relação estável. O governo optou por uma base parlamentar desestruturada desde o início. Se ele tivesse investido no PMDB, sem querer esfacelar o partido, estaria muito melhor.

O presidente Lula perdeu o discurso para tentar a reeleição? ¿ O presidente Lula está ancorado em alguns pontos. O primeiro é todo sacrifício pela estabilidade da moeda. A segunda âncora são os sindicalistas e os movimentos sociais que estarão com ele. E a terceira é a âncora populista, da assistência social. Não é de programa social, não é de política social, é de assistência social.

Então o presidente é um candidato que tem fôlego ainda. ¿ O problema é que a classe média quer mais do que isso. Ela é muito preocupada com o aspecto moral. A classe média não perdoa o aspecto moral.

No começo a impressão transmitida pelo Congresso era de que seria pedido o impechment. O governo respirou. Não foi por culpa da oposição que isso não ocorreu? ¿ O impeachment está mais distante hoje, mas não está fora de cogitação. O governo continua sob suspeita. Talvez as oposições pudessem ter sido menos responsáveis nesse aspecto, ter avançado mais na questão do impeachment, mas também poderia ter causado transtornos à sociedade. A oposição preferiu não causar tumultos, não dividir a sociedade.

Foi a oposição que perdeu tempo do pedido de impeachment ou foi a conjuntura? ¿ O pedido de impeachment não deve ser uma tarefa da oposição, mas da sociedade. Partido político não pode pedir impeachment. Mas a OAB não pediu, a ABI não pediu, a sociedade de um modo geral não pediu.

Esse é um sinal de que o governo ainda tem muita gordura para queimar... ¿ O governo tem ainda algum apoio popular, mas não o suficiente para tentar uma reeleição. Exatamente porque ele fica na faixa de 30% a 35% de intenção de voto .

Com uma crise desse tamanho, 35% de intenção de voto ainda não é alto? ¿ É o máximo que o governo pode conseguir.

Mas não é alto? ¿ É alto sim.

Na época de Collor, o foco das investigações era o presidente. Agora, há muitas linhas de investigação. Não foi um erro abrir muitas frentes? ¿ Não dá para comparar a gênese de Collor com a de Lula. Collor não tinha partido, não tinha nenhum movimento organizado com ele. Não é o Lula, que tem história, toda a esquerda com ele, todo movimento com ele. O Collor caiu por falta de defesa. Ele reconhece isso. O Lula fez alianças precárias, mas tem um partido, o PT, além do PSB, do PCdoB. Esses partidos são ainda sustentáculos do Lula. Claro que o PT é o maior, mas os outros partidos vêm fortes com o presidente.

Faltaria apoio nas ruas ao impeachment? Se você fosse para o impeachment do Lula, você teria um grupo de pessoas da sociedade que iria defender o governo Lula, com toda a corrupção. Porque há o grupo do núcleo duro do trabalhismo que acredita nele.

Haverá aliança das oposições ainda no primeiro turno? ¿ Nós admitimos a hipótese de aliança no primeiro turno. Mas não podemos descartar a hipótese de que os partidos saiam com candidatura própria. Não está definido se a verticalização permanecerá ou não. Se a verticalização for mantida, você vai introduzir uma restrição à presença de alianças nacionais. Mas ainda assim poderão haver algumas alianças nacionais. Acho que não podemos descartar a hipótese de ter candidatos do PFL, mas não temos ninguém hoje com boa presença nas pesquisas. Temos o Cesar Maia, mas há a dificuldade dele deixar o Rio de Janeiro. Está fazendo um bom trabalho lá.

O que é melhor neste momento: ter o candidato a presidente ou fazer uma aliança com o PSDB, herdando a prefeitura ou o governo de São Paulo? ¿ O governo de São Paulo ficará conosco de qualquer forma, porque o governador Alckmin não vai ficar até o fim. Se ele não for candidato a presidente da República, provavelmente será candidato a senador. Quanto ao prefeito Serra, se ele sair, nunca se sabe... Mas ainda assim teremos que desenvolver a idéia de candidatura própria, sem descartar a hipótese de fazer entendimentos com o candidato do PSDB.

Na hipótese de o PSDB lançar o Serra, como fica a questão Lunus ? Essa ferida já fechou? ¿ Não podemos ter nenhum veto, sobretudo ao prefeito Serra, que é um dos melhores quadros do Brasil. Esses fatos do passado têm que ser esquecidos, até porque não há nenhuma prova de que o prefeito Serra tenha tido algum envolvimento com isso.

O governo Lula já acabou? ¿ O governo Lula vai, para usar a linguagem do futebol, cumprir tabela. É um governo que não tem mais capacidade de inovar. Não foi capaz de aprovar uma medida para reduzir impostos (MP 252, batizada de MP do Bem).

Tem alguma chance da reforma eleitoral e da reforma política que está na Câmara ser votada? ¿ Na minha opinião a única coisa que será votada é a queda da verticalização. E vejo grandes dificuldades para essa aprovação.

Ela era dada como morta há poucos dias. ¿ Muitos ainda dizem que ela vai cair. Todos vão decidir em função do interesse das eleições estaduais. É difícil se aprovar emenda constitucional quando não tem mais unidade.

A verticalização interessa só a quem está no governo? ¿ Num determinado momento o presidente Lula se interessou pela queda da verticalização porque ele teria possibilidade de fazer uma ampla aliança. Mas hoje, com o enfraquecimento do Lula e com o desgaste dos partidos menores, ele está interessado em deixar isso aí mesmo.

O PFL acusa o governo de corrupção por praticar o Caixa 2 mas vai fechar apoio incondicional ao deputado Roberto Brant (PFL-MG), que está na mesma situação. Não é incompatível?

O deputado Roberto Brant foi o único que recebeu dinheiro no período eleitoral, para a eleição. Ele mostrou a origem e o destino. Mas nós nunca negociamos com nenhum partido para que o nome dele fosse retirado. Ele vai apresentar a defesa dele.

E o senador Azeredo? Foi outra campanha e seria mais ou menos a mesma coisa. ¿ O senador certamente vai explicar.

Mas ele não está incluído em nada. ¿ O julgamento dos políticos não é só o julgamento da CPI, não é só o julgamento da Justiça. Tem o julgamento social. Esse processo é muito penoso, mas acho que é muito bom. As empresas querem fazer as coisas erradas, às vezes, e os políticos aceitam as coisas erradas.

O deputado Roberto Jefferson avaliou que o processo de cassação chegaria a 12, 15 deputados, no máximo 20. A limpeza é por aí? ¿ Não gosto falar de processo de limpeza, porque acho que nunca se consegue investigar totalmente. Eventualmente pode estar no meio dos que estão sendo julgados alguém que não merecia estar. Tem muita gente que merecia e que não está, porque você não consegue provas. Nós sabemos que as reputações aqui não são falsas, são sempre verdadeiras.