Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Internacional, p. A11

Crise do coronavírus exige reação global de política fiscal



Os ecos de 2008 estão ficando ensurdecedores. O fim de semana desfechou um segundo choque - uma guerra dos preços do petróleo - que vem se somar à desestabilização da economia causada pelo coronavírus. Um terceiro golpe virá, já que a forte queda nos mercados financeiros destrói riqueza e amplifica os danos à economia. O recuo dos rendimentos dos bônus mais seguros para mínimos históricos mostra apenas o quão pessimismo estão os investidores com as perspectivas de crescimento mundiais. Mas, apesar de a escala das quedas dos mercados ser semelhante à de 12 anos atrás, na crise financeira, o que falta agora - e ainda é muito necessário - é uma reação mundial coordenada.

No segundo trimestre de 2008 o núcleo decisório mundial se deslocou das democracias ricas do G-7 para o G-20, cuja cúpula inaugural ocorreu em novembro. Os EUA, com o então presidente George W. Bush e o já eleito Barack Obama, desempenharam um papel de liderança essencial, ao lado do premiê britânico Gordon Brown. Infelizmente, faltam hoje

E vozes semelhantes, e o espírito de multilateralismo que havia doze anos atrás murchou com Donald Trump. A atual Presidência do G-20 está com a Arábia Saudita - cuja atitude temerária com a Rússia abriu uma guerra dos preços do petróleo.

Além disso, a natureza desta crise é diferente. O choque de 2008 paralisou, primeiramente, o sistema financeiro, o que provocou um colapso da demanda. O covid-19 é um choque econômico, que abala tanto a oferta - por meio de fechamentos de fábricas, ruptura das cadeias de suprimentos e restrições de viagens - quanto a demanda.

Os consumidores que contraíram a doença ou que estão evitando contraí-la saem menos e gastam menos. Com o avanço da crise, ganha corpo uma crise de caixa tanto para empresas que sofrem com queda da receita quanto para consumidores que perdem suas fontes de renda ou seus empregos.

Portanto, o tipo de apoio, e a maneira como ele é feito, terá de ser diferente desta vez. Sem liderança política mundial, os presidentes dos bancos centrais e os ministros das Finanças poderão ter de contar mais com parcerias formadas especificamente para esse fim. A política monetária, além disso, tem menos espaço para agir como antídoto. Os cortes de taxas de juros contribuem para fortalecer a confiança, ao reduzir o custo do dinheiro. Mas pouco ou nada farão para reparar as cadeias de suprimento rompidas, apressar a volta de operários ao trabalho e impulsionar os gastos dos consumidores, confinados às suas casas. Com as taxas de juros das economias avançadas, fora os EUA, já próximas ou abaixo de zero, muitos bancos centrais têm, de todo modo, um poder de fogo limitado.

As autoridades econômicas poderão ter um impacto maior por meio de financiamento e de medidas fiscais. O Banco do Japão, o BC do país, já prometeu injetar liquidez nos mercados. É igualmente importante ajudar empresas e pessoas físicas em dificuldades a pagarem as suas contas. Outros BCs devem seguir o exemplo da China de oferecer crédito barato a bancos que emprestam às empresas mais gravemente atingidas.

Entre os países que sofrem com por graves epidemias de covid-19, a Itália está oferecendo incentivos fiscais a empresas que passam por significativas quedas de receita e a Coreia do Sul prometeu dinheiro a empresas de pequeno porte em dificuldades para pagar salários. A concessão de alguma indulgência no prazo ou nas condições dos pagamentos dos empréstimos, para que empresas viáveis não sejam obrigadas a pedir falência por descumprir o pagamento de dívidas, também poderia ajudar. Os governos, além disso, têm de garantir que os trabalhadores, principalmente os regulados por contratos precários, tenham licença médica ou possam deixar o trabalho para cuidar de crianças e parentes.

O objetivo prioritário deveria ser salvaguardar as empresas e os empregos, e restringir reações em cadeia prejudiciais até o vírus retroceder e a recuperação poder se instaurar. A rapidez com que isso acontecerá dependerá do sucesso dos governos em conter o vírus - e aqui repousa a maior diferença em relação a 2008.

Por mais importantes que possam ser os incentivos econômicos, a maior prioridade de todas é uma reação eficaz na área de saúde pública. Infelizmente, muitos governos e autoridades deixaram, até agora, mais a desejar. / Financial Times