Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Finanças, p. C1

Petróleo derrete, eleva tensão e derruba bolsas

Gabriel Roca
André Mizutani
Roberta Costa 


Em meio à turbulência provocada pela epidemia do novo coronavírus, que tem sacudido os mercados financeiros nas últimas duas semanas, os investidores passaram a ter mais uma preocupação: a desvalorização expressiva dos preços do petróleo. A semana começou tensa, repercutindo a postura agressiva da Arábia Saudita na disputa de preços com a Rússia, que provocou a maior queda nos contratos futuros de petróleo desde a Guerra do Golfo, em 1991.

O dia foi de pânico e fuga generalizada do risco. As bolsas de valores registraram perdas expressivas em todo o mundo. Wall Street resume bem o que se viu ontem no mercado: no que foi o pior dia desde a crise de 2008, a queda de 7% do S&P 500 ainda nos primeiros minutos da sessão fez com que o “circuit breaker” (mecanismo disparado pela bolsa para interromper o pregão por 15 minutos) fosse acionado em Nova York. Esse tipo de interrupção não ocorria desde 1997, segundo a “Dow Jones Newswires”. A volta às operações não melhorou os ânimos.  No fim do pregão, o índice Dow Jones registrou perdas de 7,79%, seguido por S&P 500, com queda de 7,60%, e Nasdaq, com baixa de 7,29%.

“Isso é pânico total”, disse Susan Schmidt, diretora de ações dos EUA da Aviva Investors America, ao “Financial Times”. Para ela, as vendas generalizadas de ontem podem ter sido exageradas.

A queda nos preços do petróleo ampliou o temor de uma recessão global e derrubou as expectativas de inflação nas principais economias do mundo. O contrato do petróleo Brent para maio fechou em queda de 24,09%, a US$ 34,36 por barril na ICE, em Londres, enquanto o do WTI para abril recuou 24,58%, a US$ 31,13 na Bolsa de Mercadorias de Nova York.

Na Europa, o cenário não foi diferente. Os principais índices acionários do velho continente recuaram em bloco e agora registram desvalorização superior a 20% desde seu pico mais recente, entrando no território classificado como “bear market” (mercado baixista). O índice Stoxx Europe 600 fechou o dia com perdas de 7,44%. Em Frankfurt, o DAX recuou 7,94% e em Londres, o FTSE-100 caiu 7,69%. O principal destaque de queda na região ficou com a bolsa de Milão, que perdeu 11,17%. O governo da Itália anunciou que todo o país ficará de quarentena para conter a disseminação do coronavírus.

“O ‘bull market’ [mercado de alta] de 11 anos acabou”, disse Peter Cecchini, estrategista-chefe de mercados da Cantor Fitzgerald à “Dow Jones”. Cecchini aponta que os juros baixos se tornaram parte da narrativa usada pelos investidores para justificar a compra de ações, apesar de sinais de que a economia global vinha desacelerando. “Este cenário subjacente de fragilidade é um dos motivos para [as ações] terem caído tão rapidamente. Quando uma bolha cresce tanto, não é preciso muito para estourá-la. ”

No mercado de renda fixa, os rendimentos de todos os títulos do Tesouro dos EUA estiveram conjuntamente abaixo de 1% pela primeira vez na história na sessão de ontem. Além disso, a perspectiva de que o Federal Reserve vai cortar os juros para a faixa entre 0% e 0,25% no curto prazo ganhou força e passou a ser o cenário base de instituições como Capital Economics, Goldman Sachs e Barclays.

O pânico que abalaria os mercados começou ainda na madrugada de ontem, com as perspectivas negativas geradas com a decisão da Arábia Saudita de cancelar seus cortes de produção. A medida veio após a conclusão da reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e seus aliados ainda na sexta-feira, que não só não conseguiu ampliar a oferta - tentativa original da reunião - como terminou sem uma extensão dos cortes já existentes estabelecidos para dar suporte aos preços.

As incertezas provocadas pela queda nos preços do petróleo estenderam as turbulências nos mercados de ações e de crédito corporativo nos EUA observadas ao longo das últimas semanas enquanto a epidemia do coronavírus se disseminava pelo mundo. O fato levanta novas preocupações sobre os riscos associados a empresas de energia fortemente endividadas no mercado de “high yield” (de maior risco e retorno) americano e as possíveis consequências para outras empresas, caso as condições financeiras nos mercados de crédito fiquem mais restritas.

“Os acontecimentos no mercado de petróleo dificilmente poderiam ter chegado em um momento pior para o mercado de [títulos] high yield nos EUA”, afirmou o analista Craig Nicol, do Deutsche Bank, ao FT. “A grande questão é como será o contágio no mercado de alto rendimento como um todo, fora do setor de energia. Do nosso ponto de vista, é inevitável". 

Os rendimentos dos Treasuries de dez e 30 anos recuaram a novas mínimas históricas. O juro do papel de dez anos caiu a 0,54% ontem, de 0,707% do encerramento anterior, enquanto o título de 30 anos recuou a 0,99%, de 1,215% do último fechamento, após tocar mínima intradiária de 0,702%.

“Nunca vi isso em quase 30 anos [de carreira]”, disse Scott Thiel,  estrategista-chefe de renda fixa da BlackRock. Segundo ele, os investidores estão fugindo para títulos considerados seguros para proteger suas carteiras, enquanto ações, commodities e títulos de dívida corporativa de alto risco caem de forma acentuada.