Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Finanças, p. C1

Quando a música para de tocar nos mercados

Michael Mackenzie


Em algum momento, a música para de tocar. Um “crash” nos preços do petróleo ontem desencadeou um aumento nas já numerosas operações de saída das ações, crédito e mercados emergentes. Os investidores se deparam com uma lembrança dolorosa de que os mercados sobem escadas durante os tempos de vacas gordas, mas frequentemente tomam o elevador para baixo quando o sentimento é abalado pelo pânico, especialmente quando as avaliações dos ativos começam a partir de níveis muito elevados, deixando os mercados “precificados para a perfeição”.

O choque original foi a epidemia de coronavírus que atingiu a economia mundial. Agora veio o golpe de uma guerra nos preços do petróleo. Em seguida, será a escalada do contágio financeiro.

O aspecto mais perigoso da derrocada dos preços dos ativos é que há poucos sinais de uma interrupção dela enquanto o combustível da alta alavancagem e da tomada agressiva de riscos nos portfólios não for apagado. É provável que haja um processo muito desagradável de recuperação para o sistema financeiro, depois que os BCs empurraram os investidores para uma grande busca por retornos ao mesmo tempo em que minimizavam os riscos. Muitas carteiras já estavam acalentando grandes perdas com as fortes quedas registradas nas duas semanas passadas. Uma guerra nos preços do petróleo aumenta a pressão sobre as ações e dívidas do setor de energia. Também reforça a demanda por bônus soberanos de prazos longos.

Basta olhar para a queda de 1 ponto no rendimento do título do Tesouro dos EUA de 30 anos - de 1,70% para a mínima de 0,702% durante o pregão de ontem - nos três últimos dias para se ter uma ideia da natureza da atual turbulência no mercado. A escalada dessa queda, não registrada desde a crise financeira, sugere uma visão pessimista da capacidade dos BCs para combater a ameaça da queda da economia global se transformar numa tendência de deflação de longo prazo.

Os investidores precisam de garantias e o retorno ainda relativamente alto dos bônus longos dos EUA fornece espaço para uma alta dos preços, em carteiras que estão sofrendo duro golpe em suas posições de crédito e ações. Isso poderá ajudar a amenizar as vendas forçadas de ativos por alguns investidores, mas apenas até certo ponto.

Grandes abalos no mercado podem sofrer uma escalada ao longo de várias semanas, na medida em que os gestores de risco assumem uma postura mais dura e sujeitam carteiras e mesas de operações a limites muito mais brandos. A turbulência no mercado reforça a necessidade de os BCs se certificarem de manter os fluxos de liquidez para pequenas e médias empresas e, assim, ajudarem a conter o contágio no mercado financeiro.

Um pequeno alívio é que a combinação de juros muito baixos e preços do petróleo idem deverá ser seguida de aumento dos gastos dos governos nos próximos meses. O coronavírus também vai perder força e ajudar a alimentar uma recuperação da economia mundial.

“Os catalisadores de uma recuperação do mercado serão, mais provavelmente, uma combinação de queda das taxas de contágio, posicionamentos abaixo do normal e mercados muito baratos”, diz John Normand, do J.P. Morgan. Por esta métrica, os mercados enfrentarão uma longa espera antes de a música voltar a tocar.