Valor Econômico, n. 4955, 10/03/2020. Empresas, p. B7

Petróleo ajuda, mas vírus e dólar não

Cibelle Bouças


Petróleo mais barato é uma boa notícia para as companhias aéreas, mas a alta do dólar e a disseminação dos casos de Covid-19 prejudicam o cenário do setor. Assim, mesmo com a cotação do petróleo tipo Brent caindo ontem 24%, a US$ 34,36; as ações das maiores companhias aéreas que operam no Brasil - Gol, Latam e Azul - fecharam o dia em forte queda.

“A queda do petróleo é positiva para as aéreas, mas a alta do dólar exerce impacto negativo sobre a maioria dos custos. Além disso, o câmbio desvalorizado é negativo para a demanda de viagens ao exterior. Os efeitos negativos sobressaem mais que os positivos”, disse Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.

Ele acrescentou que o rápido avanço dos casos da epidemia Covid-19 na Europa e nos Estados Unidos aumentam os temores de que o Brasil também enfrente uma crise nas próximas semanas.

“É uma questão de tempo para que a situação se torne mais relevante na economia brasileira. A Anfavea [associação que reúne as montadoras de veículos no Brasil] já anunciou que deve haver parada na produção de automóveis no fim do mês”, acrescentou Esteter.

Bruna Pezzin, analista da XP Investimentos, observou que as empresas adotaram mecanismos de proteção (hedge) para mais de 80% das compras de combustíveis do primeiro semestre do ano, de forma que a queda recente no preço da commodity não terá impacto significativo nos custos.

“A queda do petróleo deve ter efeito positivo no segundo semestre em diante. Por outro lado, a alta do dólar gera impacto na maioria dos custos das empresas aéreas e fica menos mitigável no curto prazo”, afirmou Bruna.

Renato Hallgren, analista do BB Investimentos, considerou que existe ainda muita incerteza em relação ao impacto do novo coronavírus no Brasil. “Por enquanto, ele atrapalha as viagens internacionais”, disse o analista.

As viagens internacionais representam 23% da receita da Azul e 14% da receita da Gol e nenhuma das duas oferecem voos para Ásia e Oriente Médio, onde estão mais concentrados os casos da doença. A Azul oferece mais voos para Estados Unidos e Europa e a Gol, mais voos para a América Latina.

“Neste momento essas áreas têm menos casos de Covid-19. Por isso, Gol e Azul parecem estar mais protegidas no curto prazo, mas nada impede que esses países também não desenvolvam uma epidemia”, afirmou Bruna.

Hallgren observa que, apesar do cenário difícil, as aéreas brasileiras estão mais fortalecidas do que na grave recessão que o país enfrentou, em 2015 e 2016. As empresas aéreas têm geração de caixa superior a 20% da sua receita, ante 5% em 2015. O custo da dívida diminuiu com a queda dos juros. Além disso, cresceram de forma saudável, mantendo um nível alto de ocupação dos voos, acima dos 80%.

“A principal demanda para as aéreas brasileiras é de viagens corporativas dentro do Brasil e essa demanda ainda não caiu. De forma geral, elas estão melhor estruturadas para enfrentar o momento”, avaliou Hallgren.

Ontem, os papéis da Gol registraram queda de 17,43%, cotados a R$ 17,38. E as ações da Azul caíram 17,01%, para R$ 32,10. O Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira, teve queda de 12,17%, para 86.067 pontos. No Chile, as ações da Latam recuaram 4,41%, para 4.875 pesos chilenos. Em Nova York, as American Depositary Receipt (ADR) da Latam caíram 9,03%, para US$ 5,84.

Em um mês, as ações da Gol caíram 49,16% e as ações da Azul, 43,10%, bem acima da queda de 24,35% do Ibovespa. As ações da Latam acumulam queda de 30,6%.