Título: O caixa-forte à prova de crise
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2005, País, p. A5

Guardião da política econômica do governo, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não cede a pressões para liberar verbas

BRASÍLIA - Uma bastilha inexpugnável. A imagem - cunhada pelo cronista Nelson Rodrigues para descrever a camisa do Flamengo, quando o time estava na época áurea -, pode ser usada também para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Nem a crise política nem as tentações perdulárias que rondam os governantes em períodos anteriores a eleições são capazes de fazer o ministro ceder e reduzir o rigor fiscal do governo, considerado exagerado até por aliados do Planalto. Nos últimos dois meses, Palocci vetou pleitos bilionários apresentados pelos setores industrial e agrícola, e por prefeitos, governadores e colegas de Esplanada dos Ministérios. O desempenho é de fazer inveja ao secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, egresso do governo Fernando Henrique Cardoso e apelidado de ''Doutor Não'' durante a gestão anterior.

Mas o ministro da economia está amparado em uma vasta combinação de fatores. Um deles é aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política econômica. Ou, ainda, o entusiasmo com que o chefe do Executivo discorre sobre os recordes no superávit da balança comercial e na geração de empregos com carteira assinada. Mesmo sendo um dos alvos da crise, com denúncias de seu ex-assessor, o advogado Rogério Buratti, sobre suposto esquema de propina em Ribeirão Preto quando o atual ministro era prefeito da cidade, saiu imune. O ministro deu entrevista coletiva, negou tudo e se fortaleceu.

Em discursos proferidos em Portugal, na semana passada, Lula disse que não fará ''mágica'' nem ''pirotecnia'' em razão da sucessão presidencial de 2006. Manterá a política econômica comandada por Palocci, que conta com o apoio de PFL e PSDB, apesar de ressalvas sobre o que consideram excesso de conservadorismo.

Outra questão considerada chave na política macroeconômica, os juros, são conduzidos com mão de ferro pela autoridade monetária. A queda nas taxas só começou, e tende a continuar nesta semana, quando o Banco Central quis. Nunca quando os empresários do comércio ou da indústria apontaram como sendo o momento ideal.

De acordo com Alexandre Barros, cientista político e analista do comportamento de grandes investidores estrangeiros, a verdade é que o ministro da Fazenda é parte de um triângulo. No vértice, estaria o presidente Lula. Na base, Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

- O Palocci é o garoto-propaganda da política macroeconômica adotada por Lula, que é irreversível - avalia Barros.

O analista acrescenta que o mercado financeiro internacional é o principal avalista do caminho escolhido por Lula, ancorado em rígido ajuste fiscal.

- O capitalista dos Estados Unidos se preocupa mais em saber quem é o presidente do Banco Central do que qual político ocupa a Presidência da República - acrescenta o analista.

Por isso, a permanência de Meirelles à frente da autoridade monetária, negociada por Lula, teria fortalecido ainda mais Palocci.

- O grande capital olha e diz 'esse aí é meu amigo' - brinca Barros.

Na visão de investidores internos e externos consultados pelo cientista político, a opção de Lula pelo fortalecimento de Palocci e de Meirelles foi vital para amainar a crise atual. Segundo Barros, há até uma nova tendência dentro dos meios financeiro e industrial de considerar Lula um candidato viável outra vez, nas urnas, nas eleições do ano que vem.

Na última semana, a digital de Palocci apareceu em pelo menos dois episódios controversos. Um deles foi a decisão do governo de desistir da aprovação da chamada MP do Bem, devido a mudanças aprovadas por parlamentares, que fizeram a estimativa de renúncia fiscal passar de R$ 3 bilhões para R$ 6 bilhões.

Palocci vetou a medida apesar de o texto original ter sido negociado durante meses pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, e contemplar uma das principais demandas do setor produtivo: redução da carga tributária para novos investimentos.

- Até parece que dinheiro dá em árvore - afirmou o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), antes de cumprir determinação de Palocci e anunciar o enterro da MP do Bem.

O desfecho levou Furlan a desistir de acompanhar o presidente Lula em viagem à Europa. Ele tentará incluir na MP 255, à espera de votação no Senado, os benefícios tributários da finada MP do Bem que contam com o aval da Fazenda. A situação de Furlan é menos constrangedora do que a de seu colega, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Nos últimos tempos, as críticas de Rodrigues à política econômica do governo ganharam corpo. Parte delas foi publicada em entrevista recente concedida ao Jornal do Brasil.

Para piorar a situação, após a descoberta do foco de febre aftosa em rebanho no Mato Grosso do Sul, que levou à suspensão da compra de carne brasileira por mais de 30 países, Rodrigues afirmou que negociaria a liberação de R$ 78 milhões do orçamento da Secretaria de Defesa Agropecuária contingenciados pela equipe econômica. A declaração repercutiu mal entre integrantes do governo, para quem caberia ao ministro da Agricultura garantir a distribuição dos recursos disponíveis entre os projetos prioritários da pasta.

- Não faltou recurso - reforçou o presidente Lula, de Portugal, em defesa do ministro Palocci.

Desde o início do atual governo, o ministro da Fazenda é alvo de reclamações em razão do arrocho fiscal. Os colegas pedem mais recursos para implementar seus programas nas diversas pastas. O principal embate hoje é travado com a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil. A fim de garantir recursos para investimentos em infra-estrutura, ela defende a redução do superávit primário brasileiro de 6,26% do Produto Interno Bruto (PIB), registrado de janeiro a agosto deste ano, para a meta definida pelo governo, de 4,25%. De certa forma, Dilma retoma a mesma briga do deputado José Dirceu, ex-ocupante da Casa Civil, antes de a crise política tirá-lo do Planalto e levá-lo de volta à planície.