Correio Braziliense, n. 21735,19/09/2022. Política, p. 2

Campanha no funeral da rainha 

Henrique Lessa


O presidente Jair Bolsonaro (PL) está em Londres para participar do funeral de Estado da rainha Elizabeth II. Ontem, ele assinou o livro oficial de condolências da monarca e fez um breve pronunciamento de homenagem à soberana. Depois, na embaixada brasileira na capital do Reino Unido, a austeridade e o luto deram lugar a um Bolsonaro mais à vontade ao falar, da varanda da representação diplomática, para algumas dezenas de correligionários.

O discurso aos simpatizantes começou igual ao oficial, mas, rapidamente, mudou o tom para um conteúdo mais eleitoral. Bolsonaro voltou a falar de "ideologia de gênero" e aborto e reforçou os slogans da campanha pela reeleição.

Ele citou a visita feita no dia anterior ao estado de Pernambuco e concluiu que "a aceitação é simplesmente excepcional, não tem como a gente não ganhar no primeiro turno". Na sequência, os apoiadores puxaram um coro em que repetiam "Primeiro turno! Primeiro turno!". O presidente respondeu que o país vai bem no campo econômico. "Estamos no caminho certo, somos um exemplo para o mundo na questão", declarou, antes de concluir que o Brasil "é a terra prometida".

No fim da noite, o presidente foi a um posto de combustíveis na capital inglesa onde gravou vídeo para a campanha eleitoral nas redes sociais em que mostra o preço da gasolina na cidade. Apresentou o valor de 1,61 libras (R$ 9,67) por litro e concluiu que, feito o câmbio para o real, o valor seria o dobro da média praticada no país. Ele só não disse que o salário mínimo no Reino Unido é quase oito vezes maior do que o piso brasileiro.

A visita oficial foi pensada para passar a imagem de um Bolsonaro estadista, com imagens que vão alimentar as redes sociais e a propaganda oficial da tevê do candidato. Mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai julgar um pedido feito pela candidata do PSol à Câmara dos Deputados por São Paulo Erika Hilton para que a campanha do presidente seja proibida de usar as imagens feitas em Londres, com os mesmos argumentos de abuso do poder político da ação que levou à proibição de uso das cenas gravadas nos comícios de Sete de Setembro.

Na breve fala oficial, ensaiada, após assinar o livro de condolências, Bolsonaro falou sobre o pesar do Brasil com a morte da soberana e que o "povo brasileiro guarda na memória a viagem de Elizabeth II ao país, em 1968". Na única visita da monarca ao país, ela esteve com o então presidente Costa e Silva que, poucos meses depois, decretaria o Ato Institucional nº 5, medida que fechou o Congresso e fortaleceu ainda mais o regime ditatorial, ampliando a repressão e a tortura de opositores.

"Nossos sentimentos à família da rainha e ao povo do Reino Unido. No Brasil, temos forte em nossa lembrança ainda sua passagem por lá, em 1968. Por tudo que ela representou para o seu país e para o mundo, o momento é de pesar e de reconhecimento de tudo que ela fez pelo mundo."

Imprensa hostilizada
Aos gritos de "mito, mito", parte dos apoiadores em frente à embaixada brasileira hostilizou os jornalistas que faziam a cobertura da presença do presidente brasileiro na capital inglesa. Mesmo durante a fala de Bolsonaro, os presentes puxaram um coro com ofensas a veículos de comunicação brasileiros que o presidente não repreendeu. Sob forte esquema de segurança da polícia local, os jornalistas ficaram separados dos apoiadores do presidente.

A polícia também foi acionada para afastar manifestantes que protestavam contra Bolsonaro do grupo de simpatizantes do presidente que se aglomerava em frente à representação diplomática brasileira. A manifestação, organizada pelo grupo Brazil Matters, levou faixas com críticas a Bolsonaro e à política ambiental do governo. Integrava o grupo alguns amigos e parentes do jornalista inglês Dom Phillips, assassinado na Amazônia em junho deste ano.