Valor Econômico, n. 4957, 11/03/2020. Brasil, p. A6

Tombo do petróleo abala caixa de vários Estados
Rodrigo Carro
Marta Watanabe


A queda de preços do petróleo pode impactar fortemente a receita de Estados que recebem royalties e participações especiais, tornando-se um desafio adicional à situação fiscal dos Estados. Em alguns, como o Rio de Janeiro, a perda de receita pode tornar-se “incontornável”, enquanto em outros, como o Espírito Santo, a situação é considerada administrável e, embora exija medidas de atenção, há perspectiva de manutenção do equilíbrio fiscal, inclusive dos programas de investimentos. Amazonas e Rio Grande do Norte também estimam perdas de receita.

O Estado do Rio de Janeiro é “viciado” em petróleo e, no momento, passa por uma “crise de abstinência”, compara o secretário da Fazenda fluminense, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho. Embora alegue que ainda não é possível calcular os efeitos do recuo nas cotações do petróleo sobre a receita de royalties e participações especiais, Carvalho admite que uma diminuição de 10% a 20% na Receita Corrente Líquida (RCL) - como aquela que pode ser gerada pela retração no preço do petróleo - é “incontornável”.

“É [uma diferença] impossível de ser coberta”, diz. A previsão orçamentária para este ano era de que as receitas de royalties e participações especiais atingissem R$ 14,3 bilhões. Em 2019, a arrecadação realizada a partir dessas fontes foi de R$ 13,47 bilhões. O secretário explica que a queda no preço da commodity pode ser parcialmente compensada pela desvalorização do real, mas as variações nesses dois fatores não chegam a se anular completamente. Um terceiro fator que influi na conta é o volume de produção dos campos petrolíferos.

Carvalho argumenta ainda que o impacto das oscilações no preço se dilui no tempo: os valores recebidos pelo Estado na última segunda-feira, por exemplo, foram calculados com base nas cotações (do barril e do dólar) de fevereiro. “Vamos esperar o mercado acalmar para estimar os efeitos”, diz o secretário, acrescentando que a prioridade do governo fluminense será manter em dia os salários do funcionalismo. O pagamento de ativos e inativos pelo Estado injeta cerca de R$ 2,7 bilhões por mês na combalida economia fluminense.

Carvalho adianta que, além de buscar receitas extraordinárias que compensem a provável diminuição no fluxo de royalties, o governo do Rio deve iniciar um contingenciamento de gastos, com a consequente redução no ritmo de compras e pagamentos.

No Espírito Santo, a receita prevista no orçamento de 2020 com recebimentos de exploração do petróleo é de R$ 2,2 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão em participações especiais e R$ 800 milhões em royalties, conta Rogelio Pegoretti, secretário da Fazenda capixaba. A projeção levou em conta dólar a R$ 4,30 e Brent a US$ 60 o barril. Trata-se de valor representativo, diz. A receita total do Estado é de R$ 20 bilhões. Considerando apenas a receita corrente líquida, são R$ 16 bilhões, destaca o secretário.

O efeito da queda de preços nos recebimentos de recursos do petróleo, diz ele, deve começar a acontecer em 60 dias, mas Pegoretti diz que o assunto será pauta de reunião do secretariado do Estado amanhã. “Não podemos esperar esse período para adotar medidas. Ainda no domingo à noite, alertados sobre a cotação do Brent na Ásia, iniciamos estudos sobre possíveis impactos. ”

Segundo as projeções do Estado, as perdas anualizadas com os recebimentos do petróleo podem variar de R$ 950 milhões a R$ 1,3 bilhão, dependendo da cotação do petróleo. A perda maior considerou o Brent a US$ 25 o barril. Com essa cotação, o Estado não receberia participação especial, já que esse pagamento depende do cumprimento de parâmetro mínimos. Também foram feitas projeções a US$ 30, US$ 35 e US$ 40 o barril. O secretário lembra que em 2020 a eventual perda deve ser parcial, com efeitos a partir de maio. Neste ano, informa, o Estado já recebeu R$ 386 milhões em recursos do petróleo.

Apesar de representar perda significativa de receitas, Pegoretti diz que a situação é contornável. O Estado, diz, manterá o equilíbrio fiscal e também a nota A no rating da Secretaria do Tesouro Nacional. “Não se trata de uma situação de serenidade. O estado é de atenção, requer adoção de medidas responsáveis, com o cuidado de não tomarmos decisões levadas pelo calor das emoções”, avalia, referindo-se às fortes oscilações no preço do petróleo nos últimos dias.

Pegoretti conta que o Estado previa elevação real de 8% da arrecadação, o que permitiria ampliação de serviços à população. O governo, diz, pode rever algumas dessas ampliações, mas a oferta de serviços de saúde, educação, segurança e assistência social permanece prioritária. O Estado, diz o secretário, conta com vários fatores que devem ajudar o governo a enfrentar a situação. Entre eles, cita o fato de que parte dos recursos recebidos com petróleo no Estado destina-se ao fundo soberano. No caso de impacto de R$ 1 bilhão nas receitas de royalties e participações, exemplifica ele, R$ 250 milhões seriam para esse fundo, e o restante, para as receitas disponíveis do Estado. Isso ameniza o efeito da flutuação dos preços do petróleo.

O Estado ainda conta, segundo ele, com superávit de R$ 1 bilhão no fundo de infraestrutura, propiciado por recursos não utilizados da cessão onerosa e da unificação dos campos de petróleo. Essa verba, diz, poderá ser usada para manter programas de investimentos que ajudarão a combater eventuais efeitos da crise na economia capixaba. Outro fator que dá segurança ao Estado, segundo ele, é o superávit de R$ 1,1 bilhão em recursos ordinários de exercícios anteriores, embora o plano não seja aplicar os valores imediatamente. O Estado negocia ainda R$ 1,3 bilhão em operações de crédito.

Amazonas e Rio Grande do Norte também estimam perdas. Alex Del Giglio, secretário da Fazenda amazonense, diz que a queda de receitas de royalties e participações especiais em cenário pessimista pode atingir R$ 300 milhões, considerando três trimestres, com impacto a partir de abril. Carlos Eduardo Xavier, secretário de tributação do governo potiguar, diz que os recursos com royalties somaram cerca de R$ 180 milhões em 2019. Caso o preço do petróleo se estabilize na casa dos US$ 34 o barril, calcula, a perda pode chegar a R$ 60 milhões em 12 meses. Ou seja, a R$ 5 milhões ao mês.