Valor Econômico, n. 4957, 11/03/2020. Brasil, p. A5

Para área econômica, maior risco está no lado da arrecadação

Fabio Graner


A equipe econômica enxerga que seu maior risco hoje é do lado da receita, e não as restrições do teto de gastos, que considera impensável de se mexer. Fontes governamentais apontam que, diante disso, a discussão que poderá se colocar mais à frente é sobre se mexer ou não na meta fiscal, embora considerem o debate prematuro. Afinal, ainda estão sendo calculadas as projeções macroeconômicas que afetam a arrecadação.

A chave será a duração da crise e o seu impacto nas receitas federais. A visão é que ainda não estão claros esses efeitos, embora haja um consenso de que a conjuntura já aponta para a necessidade de corte de despesas para adequar as contas da União ao objetivo de déficit de R$ 124 bilhões para este ano.

Cortes de gastos, especialmente com o excesso de despesas obrigatórias, tendem a ocorrer no investimento federal devido à rigidez orçamentária. Isto pode agravar o quadro econômico, na visão de muitos analistas. Seja como for, prevalece na área econômica a leitura de que ainda é preciso esperar e ter mais clareza do que vai ocorrer na atividade e na arrecadação antes de eventuais movimentos de política fiscal. Em 2019, o governo manteve despesas bloqueadas na maior parte do tempo por falta de receita, e não pelo teto de gastos, risco que se repete agora.

“A maior restrição neste ano não é o teto de gastos, mas a possível frustração de arrecadação. Vamos esperar e ver”, disse um interlocu oficial ao Valor. Questionado sobre se seria o caso de mexer na meta diante de atual quadro, respondeu: “Talvez. Tem de esperar e fazer as contas antes. Hoje [ontem] o mercado já está bem melhor em relação ao pânico de ontem [segunda-feira]. Mas no momento sou contra as duas coisas. Não precisa mexer agora em primário e sou totalmente contra mexer no teto neste ou nos próximos anos”.

Seja como for, a discussão sobre mudanças no teto para permitir mais obras públicas esquenta. Além de economistas, entre eles alguns de linha liberal, como Monica de Bolle, o tema ganha fôlego no Congresso. O deputado Mauro Benevides (PDT-CE), por exemplo, informou ao Valor que já está em fase de finalização técnica uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para retirar os investimentos do teto de gastos, deixando o limite apenas para os gastos correntes.

A ideia já foi levantada outras vezes no Parlamento e nunca prosperou por causa da resistência da equipe econômica. Benevides garante que o que irá apresentar não significa um descompromisso com a responsabilidade fiscal. Ao contrário, aponta, ao retirar os investimentos do teto, os gatilhos de ajustes nos gastos poderão ser acionados se as demais despesas crescerem acima da inflação.

No projeto ele também dá um tratamento diferenciado para saúde e educação, fixando uma regra de crescimento que seja pela inflação ou 90% da receita corrente. Com isso, explica, haveria sustentabilidade intertemporal dessas rubricas e das contas públicas. O que Benevides propõe é o modelo que ele implantou no Ceará, quando secretário de Fazenda em 2016.

O time do ministro Paulo Guedes, porém, bate o pé contra qualquer mudança no teto. “É a âncora que nós temos, apesar do ajuste fiscal muito gradual. Se abandonar o teto, será muito ruim”, disse um interlocutor. “Mexer no teto é inaceitável. É impensável falar de mudança”, afirmou outra fonte, que não coloca a mesma ênfase sobre um eventual debate sobre a meta fiscal, embora considere prematura essa discussão.