Valor Econômico, n. 4957, 11/03/2020. Opinião p. A12
Economia instável pressiona por aval ao Plano Mansueto
Até o fim do mês deve chegar ao plenário da Câmara dos Deputados o Plano Mansueto, programa de ajuda financeira aos Estados, o PLP 149/19. A promessa é do relator Pedro Paulo (DEM-RJ), que parece otimista demais. Daí até a aprovação é uma incógnita diante da quantidade de projetos do governo que aguardam sinal verde do Congresso. Resta saber se Estados têm como se aguentar por mais tempo diante da pressão de gastos que vem das reivindicações de aumentos salariais de setores variados. Para complicar, a expectativa de que a recuperação da economia aumentaria a receita com a arrecadação de impostos está sendo frustrada pelo efeito global do coronavírus.
O Plano Mansueto foi concluído há quase um ano, em maio de 2019, para ajudar Estados em dificuldades. Chegou ao Congresso em junho e ficou parado à espera da indicação da comissão, quando todas as energias do governo estavam voltadas para a aprovação da reforma da previdência. O PLP 149/19 prevê que os Estados que se comprometerem com medidas de ajuste terão aval da União para contrair novas dívidas. O alvo inicial eram dez Estados com nota C, que estão impedidos de levantar crédito em vista da classificação de risco. Com o tempo, o número subiu e agora chega perto de uma quinzena. O projeto inclui também ajustes nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa para Estados com nota D, ao qual apenas o Rio de Janeiro aderiu. Minas e Rio Grande do Sul também têm nota D, mas relutam e postergam a adesão.
Não é o primeiro pacote de ajuda do governo federal aos Estados. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que completa agora 20 anos, estabeleceu regras para garantir o controle dos gastos. Mas muitas delas são burladas, não raramente com aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os TCEs acabam avalizando excluir dos gastos despesas como adicional de férias, licença-prêmio e Imposto de Renda (IR) retido na fonte. Em consequência, os gastos aparecem muitas vezes subestimados e são apresentados pelos governadores como indicação de boa gestão financeira.
No relatório divulgado pelo Tesouro na semana passada, a partir de dados informados pelos próprios Estados, apenas quatro deles admitiram descumprir os limites com gastos de pessoal, estabelecidos pela LRF em 60% da receita líquida: Acre (62,6%), Minas Gerais (67,5%), Mato Grosso (65,9%) e Rio Grande do Norte (70%). Além desses casos,
Amazonas e Goiás informaram que estouraram o limite de gastos apenas no Poder Executivo, que é de 49%. O Tesouro Nacional costuma revisar esses números de acordo com a metodologia do governo federal e, em 2018, verificou que 11 Estados já haviam estourado o limite.
O pano de fundo desse desencontro de números é que o estouro do limite de gastos com pessoal é um dos critérios para entrar no Regime de Recuperação Fiscal. Para ter ajuda, o Estado precisa ter gastado mais de 70% da receita líquida com a folha de pagamentos. Nenhum dos Estados que pretende recorrer a essa ajuda, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais, atingiu oficialmente o limite.
A proposta de emenda à Constituição do pacto federativo pretende resolver esse problema uniformizando os critérios de cálculo das despesas com pessoal e criando um Conselho Fiscal de República, para avaliar a situação das finanças da União, Estados e municípios. O texto determina que caberá ao Tribunal de Contas da União a edição de normas com as regras para apurar as despesas com pessoal, tirando esse poder dos TCEs.
A contabilidade oficial também dá sinais trocados. Em 2019, o resultado do setor público consolidado foi o melhor desde 2014, com déficit de R$ 61,9 bilhões, graças ao superávit de R$ 15,2 bilhões de Estados e municípios. Isso ocorreu porque receberam a parcela de R$ 11,7 bilhões a que tinham direito do leilão de petróleo da cessão onerosa só no último dia do ano e não tiveram tempo de gastar.
Enquanto as propostas que disciplinam as finanças estaduais não avançam no Congresso, alguns Estados flertam com o precipício. Sobrecarregado pelas despesas, o governo de Minas acaba de conceder aumento de 41% para policiais civis e militares. Treze Estados aprovaram propostas de reforma da Previdência dos servidores com aumento de alíquota de contribuição e ampliação da idade mínima. As duas regras já foram modificadas no Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. Minas e Rio sequer apresentaram propostas.
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