Título: Os conformistas
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 17/10/2005, País, p. A2

Pior do que o eventual entendimento entre os representantes da oposição e do governo, a fim de esfriar os inquéritos parlamentares, é o conformismo subliminar com a corrupção, que vem sendo manifestado por conhecidos políticos e jornalistas. Esse conformismo vem servindo para justificar o divulgado arranjo entre personalidades do PT e do PSDB, pelo qual não se investigariam fatos imputados aos familiares do presidente da República e não se tocaria nas atividades profissionais de Marcos Valério como assessor eleitoral de Eduardo Azeredo em Minas. O gentlemen agreement, ameaça a oposição, não está sendo cumprido, a partir do momento em que a CPI dos Correios resolveu ouvir Cláudio Mourão, tesoureiro da campanha do PSDB em Minas, em 1998.

Os argumentos para o acordo e a tolerância são os de que (1) a corrupção sempre existiu no Brasil; (2) a corrupção existe em todos os países, incluídos os Estados Unidos de hoje, onde o governo Bush quebrou todos os recordes históricos de peculato; (3) se o dinheiro é usado apenas nas campanhas eleitorais, não há a rigor corrupção, porque o beneficiado não o embolsa diretamente.

O que define o caráter dos homens de bem é o inconformismo com o mal. Embora o maniqueísmo seja indesejável, uma vez que tudo é relativo, a consciência dos homens, ao criar deuses e demônios, determinou a luta permanente entre o bem e o mal. Esse é um dos lugares comuns que ¿ na filosofia aristotélica ou na perturbadora defesa que deles faz Chesterton ¿ não podem ser desprezados pela arrogância de alguns intelectuais. A ética religiosa de todas as crenças (excluídas as ¿crenças¿ meramente mercantis de nosso tempo) parte do combate permanente contra o pecado do egoísmo. Em todas as organizações políticas republicanas, o peculato é crime, pelo mesmo motivo. Nenhuma lei nas repúblicas conhecidas autoriza a corrupção. Na complexidade do Estado moderno, algumas repúblicas toleram a intermediação de negócios entre as empresas privadas e o setor público, mediante o lobby. A atividade admitida do intermediário é a de defender o interesse comercial de seu cliente, de forma transparente e limpa, e ser remunerado para isso: não pode envolver o repasse de dinheiro para as autoridades interessadas, nem para os partidos políticos, com o fim de obter facilidades adicionais.

Por ter existido no Brasil de Gregório de Mattos e do Padre Antonio Vieira, a corrupção não se legitima no Brasil do presente. Temos que combatê-la sempre, e cada vez mais, mesmo se jamais seja possível eliminá-la de forma definitiva. Tampouco se trata de campeonato entre corruptos. Há suspeitas fundadas de que o Erário Público foi muitíssimo mais prejudicado nos oito anos do governo comandado pelo PSDB do que no atual, mas isso não faz dos eventuais corruptos de hoje menos corruptos do que os de ontem. Em política não há ¿demivierges¿.

Estamos em plena campanha eleitoral. A cidadania não estará preparada para decidir em que partidos e em que candidatos votar, se essas investigações se truncarem nos conciliábulos secretos. Não há tempo para esgotar os recursos de defesa dos suspeitos. Devemos ficar com a advertência da Igreja: a injustiça maior, é preferível injustiça menor. Quando qualquer saída é pecaminosa, é menos grave o pecado menor. Se não há como definir a culpa, nos prazos lentos que o processo penal determina, é preciso afastar do pleito próximo os acusados sobre os quais paire a suspeição. No julgamento da opinião pública, a dúvida é sempre contra o réu.

De nada nos adiantarão as reformas políticas, se o povo não souber a quem confiar o poder soberano sobre o Estado. Saber se o governo de Tomé de Sousa ou o de Venceslau Brás foram corruptos, ou não, interessa aos historiadores. Saber se membros do PSDB, do PMDB, do PFL, do PT e de todos os outros partidos, vivos e disputando o poder, são honrados ou corruptos, interessa sim, e já, aos eleitores que irão às urnas daqui a um ano.