Título: Aftosa contamina agronegócio
Autor: Dimalice Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2005, Economia & Negócios, p. A20

Crescimento previsto para o setor cai para 6,4%. Pecuaristas acreditam que exportação levará dois anos para voltar ao normal

BRASÍLIA - O crescimento das exportações do agronegócio estava estimado em 10,2% para 2005. No entanto, depois do surgimento do foco de febre aftosa em Eldorado (MS), na semana passada, esse desempenho foi revisto para perto dos 6,4%. Essa é uma, mas não a única, das principais conseqüências da descoberta da doença. O prejuízo de US$ 1,5 bilhão para os exportadores de carne já foi contabilizado, mas os reflexos do embargo à carne dos estados de São Paulo e Paraná, além de Mato Grosso do Sul, só devem cair no esquecimento em dois anos, mais do que os seis meses estimados para o fim das proibições.

Segundo o chefe do departamento de assuntos internacionais e comércio exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antônio Donizeti Beraldo, não serão apenas as vendas externas de carne que serão prejudicadas. Até agora, 31 países (oficialmente) proibiram a entrada de carne bovina do Mato Grosso do Sul e estados vizinhos. Temendo a contaminação de seus rebanhos, muitos não querem mais comprar couro, nem produtos lácteos.

- Os principais mercados já suspenderam a importação de carne. Só a União Européia compra 30% da nossa carne e não vai importar do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, estados que exportam 70% de toda a carne brasileira vendida para o exterior - afirmou Beraldo.

As conseqüências, avalia ele, vão além do que pode ser medido pelos números e afeta a raiz das relações comerciais, que é a conquista e manutenção dos mercados compradores. O Brasil estava em intensa negociação com os Estados Unidos para que o país passasse a comprar carne in natura brasileira, além da industrializada que já consome. Com o sucesso dessa negociação, o Brasil conseguiria logo exportar também para outros mercados de alta renda, como o Japão. Agora, provavelmente, o Brasil volta para a estaca zero nessas negociações. Afinal, se os mercados tradicionais estão com o pé atrás, o que dizer daqueles que tinham a carne brasileira ainda apenas nas mesas de negociação?

No ano passado o agronegócio brasileiro exportou US$ 39 bilhões, sendo US$ 6,2 bilhões em carne, dos quais US$ 2,5 bilhões somente com carne bovina. Para este ano, as estimativas já não eram de um crescimento expressivo como os 27,3% do ano passado, mas era esperado que o país tivesse uma receita de US$ 43 bilhões. Agora, com a perda projetada de US$ 1,5 bilhão nas exportações em razão da aftosa este ano, a projeção não passa dos US$ 41,5 bilhões, ou 6,4% de crescimento. Para as carnes, o desempenho no ano só não será mais desastroso porque, de janeiro a agosto, o Brasil exportou US$ 2,164 bilhões, praticamente o vendido em todo o ano passado, US$ 2,5 bilhões. Antes da aftosa, a expectativa era que as exportações de carne bovina chegassem aos US$ 3 bilhões, mas deve ficar em metade disso.

O prazo de dois anos para que as exportações da pecuária se normalizem é um consenso no setor. É o que prevê também o diretor-executivo da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Eduardo Camargo, para quem o governo foi omisso ao descuidar de assunto tão fundamental para a produção rural, como a defesa sanitária.

- Agora os produtores estão perdidos, com um prejuízo incalculável, por causa de um contingenciamento estúpido. O governo sabe calcular o pagamento de juros, mas não cuida de sua fronteira e de um mercado importante como é o da carne - critica Camargo.

A crise provocada pela descoberta do foco de febre aftosa é mais um baque que a pecuária leva em menos de um ano. O problema se soma à queda de rentabilidade provocada pelo dólar baixo. Segundo Camargo, o preço médio da arroba do boi gordo, que em 2004 era de cerca de R$ 62 caiu para R$ 49 em meados de 2005. A aftosa chega em um momento em que as fortes exportações diminuíam a demanda por carne no mercado interno e ajudavam a elevar o preço - para perto dos R$ 58. Em sua avaliação, com a crise que a doença traz ao mercado, o preço da arroba deve cair abaixo dos R$ 50.

Para o consultor da Scot, Fabiano Tito Rosa, o cenário é completamente incerto, pois existem pelo menos duas variáveis que determinarão o cenário daqui para frente. Se o governo brasileiro conseguir convencer a União Européia a derrubar o embargo pelo menos contra São Paulo e Paraná, os efeitos negativos da aftosa ficarão restritos ao Mato Grosso do Sul e pode, inclusive, haver aumento de preços. O Mato Grosso do Sul é o segundo maior produtor de carne e, com o embargo dos estados vizinhos, poderá haver queda na oferta. Por outro lado, se o embargo da União Européia for mantido como está, a queda nas exportações aumentará a oferta no mercado interno e os preços tendem a cair. Conta ainda nesta conjuntura o tempo que os países levarão para derrubar o embargo. Até dezembro, há o período de entressafra e os preços acumulam alta de 10% em média nas últimas quatro semanas, com uma oferta reduzida de gado.

- Se os embargos passarem de dezembro, a situação pode se complicar. Mas, sem dúvida, é o produtor do Mato Grosso do Sul que sofrerá as maiores conseqüências. Mesmo assim, tudo depende do que vai acontecer daqui para frente, reafirmou Rosa.

No entanto, se mais países proibirem a importação de carne dos importantes estados exportadores por muito tempo, a situação fica preocupante e ainda sem condições de ser mensurada, mesmo para os especialistas.