Título: Brasília tem orla das irregularidades
Autor: Lorenna Rodrigues
Fonte: Jornal do Brasil, 15/10/2005, Brasília, p. D3

Setor de Clubes Sul concentra barbáries urbanísticas, que incluem até prédio de apartamentos disfarçado de spa

Aluga-se apartamento com vista para a Ponte JK por apenas R$ 600. Entre as barbáries cometidas contra a ordem urbanísticas de Brasília, muitas se concentram no Setor de Clubes Sul. O local, programado para apresentar baixa densidade ocupacional e manter a densidade bucólica de Lúcio Costa, hoje chega ao absurdo de abrigar dois enormes prédios residenciais. Denominado Condomínio La Torre, o complexo abriga 270 apartamentos. Se por fora os prédios têm arquitetura duvidosa, lembrando dois grandes galpões, por dentro o clima insalubre se intensifica. São centenas de apartamentos apinhados um do lado do outro, onde houver espaço.

Quem mora nos primeiro e segundo andares, consegue observar um pedacinho da ponte que se tornou símbolo de Brasília. Já aqueles que ocupam o subsolo, nem isso. De suas janelas, a vista limita-se apenas a uma parede encardida.

Segundo o administrador do condomínio, Dionísio Mendes, o trambolho existe há seis anos. Os apartamentos, que são alugados, nunca vendidos, custam de R$ 600 a R$ 750 reais mensais. Em cada um dos prédios, existe uma mercearia para atender os moradores. Dionísio não soube explicar se os prédios eram legais ou não.

- Trabalho aqui há apenas quatro meses, ainda não me familiarizei com essa questão de documentação - afirmou Mendes.

Enquanto espera um ônibus na porta do condomínio - sim, existe uma linha que passa por ali - a comerciante Sílvia Figueiredo explica as razões de ter escolhido o condomínio para morar.

- Aqui é perto de tudo, em 5 minutos você está no Plano Piloto, no trabalho, no banco, no cinema. Por esse preço, eu iria morar numa cidade satélite muito longe - afirma.

Segundo o administrador de Brasília, Clayton Aguiar, o condomínio é completamente irregular.

- O Setor de Clubes é destinado exclusivamente para clubes ou para atividades de recreação e lazer, nunca para residências. Nós expedimos uma ordem para a Secretaria de Fiscalização para derrubar os prédios há dois anos, mas a administração conseguiu uma liminar na justiça que até hoje não foi julgada - explica.

Segundo o administrador, os edifícios foram construídos com alvarás irregulares.

- Eles enganaram a administração, apresentando projetos de instalações de clube, como vestiários e saunas para tocar a obra - afirmou.

O departamento jurídico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também entrou com ação demolitória na Justiça contra o condomínio. A chefe da Divisão Técnica da superintendência do órgão no DF, Vera Ramos, considera absurda a construção de prédios residenciais no local.

- O tombamento é claro e específico, no Setor de Clubes Sul não se pode construir nada que não seja para recreação. Estão desrespeitando a lei, ferindo o projeto original e o tombamento de Brasília - aponta.

Novas Ameaças - Segundo o administrador de Brasília, outras cinco residências estão sendo construídas em uma área do Setor de Clubes Sul. Uma terceira área, próxima à pista que dá acesso à Ponte JK, já teria sido medida e preparada para a construção de residências, segundo um caseiro de um dos clubes, que não quis se identificar.

- Nós já encaminhamos um pedido de embargo das obras à Secretaria de Fiscalização de Brasília, que ainda não deu resposta. O início de uma obra em qualquer local de Brasília é falha grave da secretaria, já que cada local é coberto por um fiscal - explica Aguiar.

O subsecretário de Fiscalização, José da Luz Araújo, não foi encontrado para comentar o assunto.