Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Brasil, p. A6

Restrição a circulação afetaria os serviços, ampliando efeito no PIB

Anaïs Fernandes
Arícia Martins



Uma ampliação do choque do coronavírus para o setor de serviços brasileiro seria ainda mais danosa à economia e desencadearia novas revisões para baixo nas projeções do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020. Isso poderia ocorrer caso restrições à circulação de pessoas levassem a queda de demanda. Com um cenário ainda incerto a respeito da propagação do vírus no país, economistas ponderam que é difícil fazer essas previsões e, por ora, consideram mais os impactos a partir de relações comerciais exteriores.

“Todo mundo só fala dos efeitos do coronavírus que vêm de fora, mas podemos sofrer domesticamente. Nesse caso, o impacto [sobre a economia] será muito forte”, afirma Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).

Nesse cenário, a circulação de pessoas vai diminuir, em um primeiro momento voluntariamente, o que impactaria a atividade de setores como recreação e viagens. Se, depois, o governo, adotar medidas de quarentena, a receita das empresas seria ainda mais afetada, o que dificultaria o pagamento de empréstimos e salários, diz Castelar. “Enquanto os efeitos se restringem ao que vem de fora, são diluídos. Se chegarem aqui, serão muito maiores”.

Bráulio Borges, pesquisador associado do Ibre, diz que uma possível redução nos serviços não é levada em conta, até agora, nas novas estimativas para o PIB deste ano. “Essas revisões de 0,3 a 0,4 ponto percentual para baixo refletem basicamente o menor crescimento do PIB global”, afirma Borges, também economista-sênior da LCA Consultores.

Na LCA, essa foi a premissa na última revisão de cenário-base para o Brasil, que reduziu a projeção do PIB em 2020 de 2,3% para 1,7%. “Consideramos o efeito externo da epidemia no Brasil, e não uma paralisação da atividade aqui dentro”, diz Borges.

Sob essa segunda hipótese, os impactos negativos sobre o PIB poderiam ser maiores, mas a redução da atividade poderia ser compensada adiante, mesmo para serviços, avalia ele. “Claro que em alguns casos a perda não será resposta - se a pessoa deixa de sair para almoçar, por exemplo -, mas em outros setores pode haver compensação num segundo momento. Não dá para dizer que o efeito seria perda de PIB permanente. ”

No cenário adverso da LCA, com fragilidade financeira global, haveria contração de 0,4% do PIB do Brasil. Com restrições sistemáticas no país, o resultado poderia ser um pouco pior, na interpretação de Rodrigo Nishida, também da LCA. “É difícil ainda de mensurar. Mesmo antes que o governo decretasse eventual quarentena, pessoas podem decidir voluntariamente não sair de casa. Isso já teria impacto nos serviços, principalmente em transportes. ”

Parte da revisão do Barclays para o PIB brasileiro em 2020, de 2% para 1,7%, já contém algum reflexo de incerteza sobre o consumo, explica Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do banco. A previsão de alta para o consumo das famílias foi revista de 2,9% para 2,4%. “Isso não é só covid-19, tem o movimento mais fraco do que esperado em novembro e dezembro de 2019, sugerindo inércia menor para 2020. Mas teve também alguma moderação por causa da confiança menor”, afirma Secemski.

Interrupções na indústria preocupam menos do que se chegarem aos serviços, segundo o economista. “O potencial de dano é maior tanto pelo peso [que serviços têm na economia] quanto pela sua natureza. Na manufatura, dá para aumentar turnos, reestabelecer a cadeia produtiva”, diz, acrescentando que o cenário-base atual do Barclays não é de restrições sistemáticas.

Para Luana Miranda, também pesquisadora do Ibre, falta um debate maior sobre choques de oferta. “Em valor, 65% do que o Brasil importou da China em 2019 foram bens intermediários, que compõem a cadeia. Outros 20% são bens de capital, máquinas e equipamentos. Discutimos muito o efeito na demanda, até porque empresas têm estoque ou conseguem substituir o parceiro comercial. Mas nesse caso é difícil, outros países da Ásia também ficam comprometidos pela China”, diz Luana.