Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Política, p. A12

Orçamento impositivo fica para depois de atos

Fabio Murakawa
Vandson Lima
Andrea Jubé
Renan Truffi
Marcelo Ribeiro


O Congresso Nacional decidiu deixar para depois das manifestações pró-Bolsonaro, que ocorrem neste domingo, a votação das propostas que regulamentam o Orçamento impositivo, que tem angariado forte rejeição popular. O impasse colocou em situação muito delicada o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), principal articulador do Planalto. Com o cargo em risco, ele participou na noite de ontem de uma reunião emergencial no Congresso sobre medidas para o combate ao coronavírus.

Também estiveram presentes os ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Jorge Oliveira (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Guedes e Oliveira chegaram depois do início do encontro. Estavam momentos antes reunidos no Palácio da Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). O Valor apurou que o tema do encontro foi a possível saída de Ramos, que não estava presente.


Até recentemente um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, Ramos ficou muito fragilizado com o impasse com o Congresso em torno do controle do Orçamento. Bolsonaro passou a crer que foi induzido a erro por seu principal articulador político, que teria fechado um acordo que passou bilhões do Orçamento para o controle dos parlamentares.

O recuo de Bolsonaro, que levou a uma renegociação sobre o tema na última semana, desgastou Ramos junto à cúpula do Congresso.

Assim, Ramos perdeu credibilidade tanto junto ao presidente como em relação aos congressistas com quem tem que negociar.

O tema Orçamento avançou ontem, com a aprovação de todos os três projetos (PLNs) encaminhados pelo Executivo na Comissão de Orçamento (CMO), entre eles o PLN 4, que dá caráter impositivo a emendas do relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE). Mas a relação tensa entre Congresso e Palácio do Planalto permanece.

De um lado, o Congresso mostrou preocupação em melhorar a sua imagem e topou liberar R$ 5,1 bilhões em recursos das emendas para gastos com medidas de combate ao coronavírus, em acerto com Mandetta.

De outro, os parlamentares agiram para derrubar o veto presidencial sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ampliando o acesso ao benefício e implicando em um rombo fiscal estimado em R$ 20 bilhões. A derrubada do veto azedou as articulações que Ramos entre e os líderes governistas - senadores Bezerra e Eduardo Gomes (MDB-TO).

Segundo um senador a par do tema e um auxiliar presidencial, havia várias propostas apresentadas a Bolsonaro e discutidas com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Uma delas era retirar o PLN 4, que empodera o relator do Orçamento, e incluir emendas em outros projetos que destinariam cerca de R$ 6 bilhões a obras de infraestrutura, que já têm rubricas definidas na lei orçamentária. A derrubada do veto, entretanto, dificulta o entendimento.

Foi a primeira reação concreta do Congresso às declarações de Bolsonaro, que estimulou os atos do dia 15 de março contra os deputados e senadores, e negou que tenha participado do acordo com o Legislativo - mesmo com a sua assinatura presente nos projetos enviados ao Legislativo.

Na CMO, o dia foi de muito debate, mas o resultado final foi o esperado. Foram aprovados os dois projetos pendentes. A discussão foi principalmente sobre a proposta que dá ao relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), poder de indicar os beneficiários e prioridades na execução dos valores de emendas do relator, de aproximadamente R$ 15,1 bilhões.

Também passou o projeto que devolve R$ 9,6 bilhões de emendas de relator ao governo para gastos não-obrigatórios.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi irônico ao comentar o ofício encaminhado por Guedes, para blindar o país de efeitos da crise internacional. Disse que o pacote com 19 “prioridades” não tem novidade. “Faltou encaminhar as reformas administrativa e tributária”, alfinetou Maia.

Mandetta pediu à cúpula do Congresso que o relator do Orçamento direcione um terço dos recursos que ficarão sob sua responsabilidade para combater o coronavírus. “Deixe dinheiro para que possamos usar em todo território nacional para esta situação do coronavírus de acordo com a necessidade”, afirmou Mandetta.

O relator do Orçamento concordou e disse que o Congresso será “solidário” para que as medidas necessárias sejam adotadas. “Isso é uma preocupação mundial. Levei a minha conversa com o ministro ao presidente Rodrigo Maia, e o ministro disse que ia procurar Maia e [o presidente do Senado, Davi] Alcolumbre neste sentido”.