Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Brasil, p. A8

IPCA sobe acima da expectativa, mas quadro para os preços segue tranquilo

Thais Carrança
Bruno Villas Boas 


A alta acima do esperado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em fevereiro - de 0,25%, ante expectativa de 0,15% do mercado - não mudou a percepção dos analistas de que o cenário inflacionário segue tranquilo, mesmo com a alta recente do dólar.

A queda de preços do petróleo e as projeções mais pessimistas para a atividade devem ser suficientes para contrabalançar a disparada recente da moeda americana, avaliam os economistas, que projetam nova desaceleração do IPCA em março. Com isso, os analistas avaliam que o Banco Central continua com espaço para voltar a cortar juros.

A alta de 0,25% do IPCA em fevereiro veio após avanço de 0,21% em janeiro. Apesar da aceleração, foi o menor resultado para o mês desde 2000 (0,13%). Com esse resultado, o índice registra alta de 4,01% no acumulado em 12 meses e de 0,46% no ano. O acumulado de janeiro e fevereiro é o mais baixo desde a criação do Plano Real em 1994.

A alta no mês foi puxada pelo grupo de educação (3,70%), devido ao típico reajuste de mensalidades escolares do período, e pelo grupo de saúde e cuidados pessoais (0,73%), com destaque para itens de higiene pessoal, que subiram 2,12%, após queda de 2,07% no mês anterior. “A surpresa foi muita concentrada no item de higiene pessoal, que tem trazido bastante oscilação ao IPCA”, diz Julia Passabom, do Itaú Unibanco.

Segundo ela, esse item tem mostrado volatilidade desde novembro de 2018 e, por isso, a alta não está relacionada à corrida às farmácias diante do temor do coronavírus. “Acho pouco provável, porque a surpresa vem focada em itens de perfume e cuidados com a pele, que são mais estéticos e estão tendo bastante volatilidade. Parece mais uma oscilação ligada a promoções que as coletas não captaram, e não algo ligado a doença ou dólar. ”

Essa também é a avaliação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Não apareceu ainda nenhuma influência do coronavírus. Não vimos aqui corrida para supermercados como em outros países. Se o vírus chegar mais forte aqui, pode ter influência, sim, mas isso não foi percebido em fevereiro”, disse Pedro Kislanov, gerente do IPCA.

Apesar da alta acima do esperado do IPCA, a economista do Itaú destaca que os núcleos e a inflação de serviços continuam em nível muito tranquilo, próximos aos 3% anualizados, com alguns deles até abaixo desse patamar. “Caminhamos para um primeiro trimestre de inflação acumulada perto de 0,5% ou 0,6%, que é bem baixa para primeiros trimestres, será o mais baixo da história”, prevê Julia.

Contribui para essa projeção a expectativa de que a inflação deve desacelerar em março. O Itaú tem estimativa preliminar para o mês de 0,12%, enquanto a FGV projeta 0,15% e a LCA Consultores, uma variação de 0,18%.

Para André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (F esse cenário tranquilo é explicado pela continuidade da bandeira verde nas contas de luz em março; provável nova queda nos preços da gasolina, com a baixa do petróleo compensando a alta cambial; e a ausência de choques em alimentos.

“Soma-se a isso o fato de a nossa economia não estar crescendo como imaginado”, diz Braz. “E ainda existe esse risco de piora do cenário global, com a possibilidade de uma recessão que vai nos pegar com a taxa de desemprego ainda em 11%. Isso limita o endividamento das famílias, ainda que o crédito esteja mais barato, pois elas devem estar menos dispostas a se endividar dada a incerteza. ”

Diante desse cenário, analistas avaliam que continua havendo espaço para novo corte da Selic. “O esperado impacto significativamente negativo do agora global surto de coronavírus, a forte queda nos preços das commodities e uma mudança rumo a condições monetárias globais mais acomodatícias devem permitir ao Copom cortar moderadamente a Selic nos próximos meses”, escreveu Alberto Ramos, do Goldman Sachs.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, tem avaliação parecida. “Apesar de um pouco acima da expectativa, o IPCA de fevereiro ainda mostra uma inflação bastante comportada. Nesse cenário de baixa inflação e risco de queda mais forte da demanda, mantemos nossa aposta de redução da Selic em 0,25 ponto percentual no Copom da próxima semana. ”