O Globo, n. 32613, 21/11/2022. Política, p. 5

Violência política afetou 55% das deputadas e senadoras na campanha

Bianca Gomes
Elisa Martins
Laura Mariano
Malu Mões
Victória Cócolo


A campanha eleitoral mal tinha começado quando a deputada federal eleita Duda Salabert (PDT-MG) recebeu uma ameaça de morte em seu gabinete, na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A carta, com referências ao nazismo e ofensas transfóbicas, dizia que a parlamentar deveria ser “isolado” o quanto antes, “de preferência em um campo de concentração”.

A intimidação deu o tom do que seria a disputa eleitoral para Duda, que fez história ao lado de Erika Hilton (PSOL-SP) ao se eleger para a Câmara dos Deputados, até hoje sem mulheres trans. Ela conta que recebeu pelo menos oito ameaças de morte, o que a levou a fazer campanha com escolta policial e colete à prova de balas.

— Enviaram uma carta com símbolos nazistas e fizeram um site descrevendo as formas como iriam me matar e “estourar” minha filha — conta a futura parlamentar, que denunciou os casos à Polícia Civil.

A violência política de gênero nas eleições foi realidade para Duda e mais da metade das mulheres eleitas este ano para o Congresso ou que estão em meio de mandato. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que 55% das deputadas e senadoras que exercerão mandatos nos próximos quatro anos declararam ter sido atacadas nas eleições de 2022.

Pena de reclusão

Nas últimas duas semanas, a fim de mapear o perfil da próxima bancada feminina, O GLOBO enviou um formulário com 42 perguntas para todas as 102 parlamentares, ao qual 77 responderam.

O percentual das que sofreram violência, embora alto, é menor do que em pesquisas anteriores do GLOBO, como a de julho de 2021, quando 81% da bancada feminina do Congresso contou ter sido atacada no exercício do mandato.

— Embora tenha sido pouco manejada na Justiça, a lei de violência política de gênero pode ter contribuído para que os percentuais de violência política não tenham sido ainda maiores, pelo menos entre as eleitas — diz Gabriela Araujo, professora de Direito Constitucional na PUC-SP.

O número acende outro alerta, afirma a especialista.

— Os índices podem ser maiores entre as que não se elegeram. Um dado importante do levantamento do GLOBO é que 99% das eleitas receberam apoio dos partidos, geralmente apontados como os maiores obstáculos à ascensão das mulheres na política.

Esta foi a primeira eleição sob vigência da lei, sancionada em agosto de 2021, pela qual assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata ou mandatária tornou-se crime eleitoral, com pena de reclusão de até quatro anos e inelegibilidade por oito.

A análise do GLOBO mostra que 47% das mulheres sofreram violência política verbal, como xingamentos misóginos e comentários desmerecendo sua trajetória. Duas em cada cinco declararam terem sido vítimas de violência psicológica, como ameaças de morte e pressão contra suas candidaturas. Outras 12% sofreram violência sexual; 9%, econômica (com restrição a recursos partidários); e 4%, física.

— São ataques que visam a deslegitimar e por vezes inviabilizar a atuação política das mulheres com estereótipos que lhes negam competência nessa esfera — diz Tássia Rabelo, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal da Paraíba.

O problema atinge todos os espectros políticos. A deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP) diz que recebeu dezenas de ameaças de morte:

— Fui cuspida em duas ocasiões. Recebi xingamentos, mensagens pornográficas.

Eleita para o primeiro mandato, a delegada Ione Barbosa (Avante-MG) também relata ter sido ameaçada de morte.

— As ameaças mostravam fotos de armas, vinham com áudios — relata a futura deputada, que priorizará projetos em defesa da mulher.

Desafios para implementação da nova lei são muitos, diz ministra substituta do TSE

A ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Maria Claudia Bucchianeri, disse em entrevista ao GLOBO que os desafios para a efetiva implementação da nova lei ainda são muitos.

— Os desafios passam, também, por uma mudança de cultura nos próprios integrantes do sistema de Justiça, que são os responsáveis por atribuir aos comandos da lei a máxima efetividade — afirmou Bucchianeri.

Segundo ela, a violência política de gênero é, hoje, um dos fatores subjacentes à sub-representação política feminina que insiste em caracterizar o cenário brasileiro. Com a nova lei, assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata ou mandatária tornou-se crime eleitoral, que pode levar a pena de reclusão de até quatro anos, além da inelegibilidade por oito anos.

— Neste cenário, a Justiça Eleitoral tem se empenhado para que os comandos da nova lei se tornem realidade, fazendo com que comportamentos misóginos, muitas vezes ainda normalizados, gerem as devidas responsabilizações, com o rompimento de uma cultura de violência contra mulheres políticas, em especial mulheres negras e mulheres trans.

A ministra lembra que, em julgamento recente, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) recebeu a primeira denúncia contra um deputado no exercício de seu mandato por violência política praticada em plenário contra a vereadora trans Benny Briolly (PSOL):

— Outras tantas denúncias aguardam recebimento. Para além de inúmeras campanhas publicitárias de repúdio à violência política, o Tribunal Superior Eleitoral e a Procuradoria-Geral da República celebraram um protocolo de atuação conjunta no enfrentamento da violência política de gênero, criando um canal específico para denúncias, que está na página inicial do TSE, dos TREs e do Ministério Público Eleitoral, além da priorização de rotinas e formas de acompanhamento das denúncias formuladas.