Título: Cofre aberto para controlar a Câmara
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 10/11/2004, País, p. A3

Na esperança de retomar as votações, governo decide liberar emendas e empenhar R$ 1,2 bilhão no Orçamento para os deputados

Para estancar a crise política instalada na Câmara, o governo federal teve de abrir seus cofres. No início da noite de ontem, após mais uma reunião do líder do governo na Casa, Professor Luizinho (PT-SP), com o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, o Planalto sinalizou que vai liberar R$ 600 milhões em emendas parlamentares com as quais já havia se comprometido. Além disso, acenou que vai empenhar R$ 1,2 bilhão no Orçamento para os congressistas, sendo 40% das emendas individuais dos parlamentares da oposição e 100% das emendas dos aliados.

O tema foi discutido ontem durante a reunião da Coordenação Política no Palácio do Planalto, onde o governo teria batido o martelo.

Até as 19h30, a reunião dos líderes aliados com Professor Luizinho ainda não havia terminado. A expectativa do petista era de que o movimento fosse suficiente para retomar as votações na Câmara, bloqueadas por 21 medidas provisórias trancando a pauta. O Executivo teve de agir porque a paciência dos aliados com o Planalto terminou. Revoltados com a execução orçamentária do governo, líderes de vários partidos aliados ameaçavam permanecer de braços cruzados enquanto as pendências não fossem resolvidas.

A rebelião começou a ser anunciada na noite de segunda-feira, durante jantar na residência oficial do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Para evitar constrangimentos, foi desmarcado um almoço dos líderes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para ontem justamente para tentar resolver o impasse. João Paulo e Professor Luizinho foram pessoalmente levar a Lula o cenário explosivo desenhado na Câmara.

- Seria desgastante o presidente Lula almoçar com uma base destroçada. Ou o governo opera melhor no Congresso ou terá cada vez mais dificuldades - escancarou o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES).

A desavença estava dentro e fora do Congresso. A bancada do PL reuniu-se no fim da manhã para deliberar sobre a pauta. Resolveu votar, mas sem o compromisso de seguir as orientações do governo. Isolada em um hotel de Brasília, a bancada do PMDB decidiu que só deixa a obstrução após o Planalto cumprir o que prometeu aos aliados. O PTB seguiu o mesmo procedimento.

- O pior em uma reunião política é o silêncio - resumiu o líder do PTB na Casa, deputado José Múcio Monteiro (PE), deixando claro que falta diálogo entre o Executivo e o Parlamento.

Casagrande também admitiu que a emenda da reeleição paralisou os trabalhos parlamentares. João Paulo Cunha nega:

- A reeleição não está na pauta. Ninguém pediu para pôr ou tirar. Se os líderes pedirem, ela será arquivada.

Durante o encontro da Frente Nacional de Prefeitos, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, garantiu que os recursos orçamentários serão liberados. Creditou a demora na liberação dos R$ 1 bilhão em emendas empenhadas à legislação eleitoral, que proíbe distribuição de recursos durante o período de eleições.

- Eleição é uma batalha. Há sempre mortos e feridos. Estamos reorganizando a base e vamos liberar as emendas - prometeu.

A exemplo de Casagrande, Aldo também admitiu que a emenda da reeleição é uma das razões da discórdia, sobretudo no PMDB. Mas garantiu que o governo não vai se envolver diretamente no assunto. Durante a reunião da Coordenação Política no Palácio do Planalto, o presidente Lula, segundo participantes do encontro, teria reconhecido que o tema ''fez água''.

A oposição assiste de camarote à briga de foice, comendo pipoca no camarote. O líder do PSDB na Câmara, Custódio Mattos (MG), defendeu um acordo político para que se possam votar as matérias até 15 de dezembro, evitando uma convocação extraordinária. O líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), que esteve presente no jantar na casa de João Paulo, resume o quadro:

- Eu entrei mudo e saí calado. Não precisei falar nada - brincou.