Valor Econômico, n. 4958, 12/03/2020. Opinião, p. A16

Governo opta pela inação na iminência de uma crise


O presidente Jair Bolsonaro persegue inimigos imaginários, enquanto ameaças reais e imediatas que rondam o país o obrigariam a um realismo do qual parece incapaz. Não se sabe a extensão e a gravidade dos danos que o coronavírus causará ao Brasil, mas Bolsonaro não se preocupa com o assunto e o menospreza. O vírus “não é isso tudo que a grande mídia propaga”, disse Bolsonaro em Miami. Na segunda-feira a Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado - e os mercados no exterior, trilhões de dólares. O presidente então disse que “é melhor o petróleo cair 30% do que subir 30%” e que não se trata de uma crise -  mais uma invenção da imprensa.

Uma epidemia vigorosa, uma correção de preços avassaladora nos mercados financeiros e a ameaça de recessão global encontram o Brasil às voltas com outra doença que está se tornando crônica: a falta de crescimento. O presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstram a serenidade dos alienados diante dos riscos. Guedes, que adora suas próprias frases, disse que o Brasil vai “reacelerar” enquanto o mundo faz o caminho contrário. O presidente chamou um palhaço profissional para imitá-lo, distribuir bananas aos jornalistas e nada falar sobre o PIB inaugural de seu governo de 1,1%, inferior aos 1,3% dos dois anos anteriores. 

Guedes disse que não há “plano B” para enfrentar uma possível desaceleração forçada da economia brasileira, que se arrasta após sair de grave recessão. Bolsonaro sequer vê crise em parte alguma, ainda que ele próprio seja o causador de várias delas, como a do orçamento. Ele conseguiu ao mesmo tempo denunciar um acordo feito por seu governo e depois pedir que o Congresso rejeite outro projeto sobre o assunto enviado pelo próprio Planalto.

O governo fez acerto com os líderes do Congresso para devolver R$ 15 bilhões à discrição do Executivo. Ele foi bombardeado pelo ministro Augusto Heleno, que não deveria se meter no assunto e cuja missão é, como o nome do gabinete que dirige indica, zelar pela segurança institucional. Heleno vociferou contra a “chantagem” do Congresso, soltou um palavrão e disse que o povo precisava ir às ruas para defender o presidente contra o Legislativo. O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que intermediou o acordo, foi insultado por bolsonaristas, que preparam manifestação no dia 15 contra as instituições. Novo acordo foi feito, os vetos do Executivo foram mantidos, mas Bolsonaro insiste na lorota de que não fez qualquer barganha, embora insinue que a manifestação não ocorrerá se o Congresso abrir mão de R$ 15 bilhões - briga por caraminguás diante de receita da União estimada em R$ 3,6 trilhões.

Ao repassar vídeos da convocação de protestos contra o Legislativo e o Judiciário, o presidente provocou uma crise. Esquivou-se dizendo que utilizara rede privada, acessada “apenas” por algumas dezenas de pessoas. Mas antes de embarcar para os EUA fez um apelo a seus seguidores para que participem dos protestos - afronta explícita às instituições às quais o presidente, por dever constitucional, tem de proteger e com as quais deve buscar relacionamento harmônico. Os defensores de Bolsonaro, como qualquer outro grupo de cidadãos, têm o direito de se manifestar contra o que quiserem, quando quiserem. O presidente, porém, não pode insuflar a ira contra outros Poderes porque eles rejeitaram muitas de suas propostas absurdas, violentas e antidemocráticas.

O governo deveria estar se preparando para enfrentar uma crise potencialmente destrutiva, mas opta pela autodestruição. A nomeação de uma funcionária pela secretária de Cultura, Regina Duarte, foi anulada pelo Diário Oficial e a atriz, após conceder entrevista em que aponta a existência de uma “facção” contra ela, foi advertida por Ramos. O termo, disse, “dá a entender que há divisões inexistentes e inaceitáveis em nosso governo”. Pouco antes, Bolsonaro se queixou das “facadas no pescoço” que leva em seu próprio gabinete e seu filho, Carlos Bolsonaro, tuitara que “é visível que o presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com o ego maior que a cara” - talvez uma referência a Ramos.

Jair Bolsonaro têm a obrigação de agir contra uma crise sanitária e econômica séria. Há arsenal de medidas conhecido, que governos liberais e austeros estão tomando e que não rompem com o modelo advogado por Guedes. O governo já deveria estar agindo com atenção e cuidado sobre as expectativas - mas se ocupa em tempo integral de estimular as piores delas.