O Globo, n. 32614, 22/11/2022. Opinião, p. 2

Tentativa de ressuscitar PAC é péssima ideia



A equipe de transição informou que o futuro governo pretende relançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca das gestões petistas, com o objetivo de ampliar investimentos em infraestrutura e de aquecer a economia. Integrantes da equipe afirmam que, ao menos num primeiro momento, a nova versão deverá ser mais modesta: R$ 40 bilhões em recursos públicos, além de aportes privados em projetos e concessões. Quando foi criado, em 2007, na gestão Lula 2, o PAC previa R$ 67 bilhões em investimentos públicos (ou R$ 165 bilhões em valores corrigidos).

O primeiro desafio, óbvio, será obter o dinheiro. O Orçamento para 2023 prevê R$ 22 bilhões para investimentos públicos, metade do pretendido pelos petistas. A equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera que parte dos recursos seja liberada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que tenta abrir espaço no Orçamento para cumprir promessas de campanha — como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 — burlando o teto de gastos. A PEC ainda depende de acordos políticos e precisará passar pelo Congresso, onde o governo não tem maioria.

A ideia de ressuscitar o PAC padece de males ainda mais graves que a falta de recursos no Orçamento. A começar por evitar os incontáveis erros cometidos no programa original das gestões petistas. É de conhecimento público que o PAC espalhou pelo país projetos e obras sem viabilidade técnica nem demanda, que deixaram como legado milhares de canteiros de obra até hoje abandonados, monumentos à incúria.

O PAC serviu a desvarios como o projeto do trem-bala que ligaria o Rio a São Paulo e Campinas. A ideia era que a linha, orçada em R$ 33 bilhões, fosse realizada por meio de uma parceria público-privada (PPP) e estivesse pronta para a Copa de 2014. Delírio. Os próprios estudos feitos à época mostravam que o trem de alta velocidade (TAV) só seria viável economicamente no trecho paulista. Como se previa, nunca saiu do papel. Mas chegou-se a criar uma estatal para cuidar da ferrovia, depois incorporada à Valec.

Mesmo nos projetos menos ambiciosos, o PAC desandou. Na Favela da Rocinha, no Rio, ainda podem ser vistos os pilares abandonados do que seria um plano inclinado. Obras da rede de esgoto, importantíssima para a comunidade, foram paralisadas. No Complexo do Alemão, onde Lula esteve na atual campanha, também há uma coleção de obras inacabadas. O teleférico, símbolo do programa, foi concluído, mas está abandonado e deteriora a olhos vistos. Em 2019, uma pesquisa elencou quase 5 mil obras do PAC paradas, um terço unidades básicas de saúde. Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), há cerca de 14 mil contratos de obras em andamento ou paradas, que já custaram R$ 10 bilhões.

Por fim, o tamanho da cifra sugerida para o novo PAC — por volta de 0,4% do PIB — é simplesmente ridículo diante da taxa de investimento já existente na economia (ao redor de 19% do PIB) e da necessidade futura de recursos na infraestrutura, estimada em torno de 4% do PIB por ano ao longo das próximas duas décadas. Será impossível alcançar essa meta sem criar um ambiente regulatório capaz de atrair investidores privados nas mais diferentes áreas. Era com isso que a equipe de transição deveria se preocupar.