O Globo, n. 32614, 22/11/2022. Política, p. 4

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Bruno Abbud


Um dos principais temas que dominaram a campanha presidencial, o combate à corrupção começou a ser discutido dentro da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As medidas iniciais a serem debatidas a partir desta semana pelos grupos técnicos incluem desde mudanças nos acordos de cooperação internacional até o destino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão voltado para combater a lavagem de dinheiro.
O grupo técnico para discutir a agenda anticorrupção e temas judiciários é formado majoritariamente por advogados e juristas críticos à Operação Lava-Jato. Esse alinhamento não tem impedido divergências durante os debates do grupo de transição. Um caso é justamente a destinação do Coaf, órgão que se tornou um dos principais instrumentos de investigações de crimes do colarinho branco.

Durante apurações de órgãos como Ministério Público e Polícia Federal sobre esquemas de corrupção, cabe ao Coaf informar transações financeiras suspeitas — aquelas que se encaixam em parâmetros definidos por lei, como depósitos fracionados em espécie ou transferências vultuosas. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Coaf ficaria sob a gestão do então ministro da Justiça Sergio Moro, que indicou um aliado para comandar o conselho. No entanto, o Congresso barrou essa iniciativa para limitar o poder do ex-juiz. O órgão acabou ficando na estrutura do Ministério da Economia. Depois, passou para as mãos do Banco Central.

Para o advogado Marco Aurélio Carvalho, um dos integrantes da transição, o órgão deveria voltar ao Ministério da Justiça, que deve ser comandado por um nome de confiança de Lula.

— Acho que o Coaf teria que voltar para o Ministério da Justiça. Isso vai ser discutido na transição. É no Ministério da Justiça que se discute inteligência e estratégia, já que a pasta tem a PF (Polícia Federal) e reúne todos os órgãos de inteligência para combater lavagem de dinheiro e crime organizado. Não vejo muito sentido o Coaf ficar fora de lá, mas ainda é muito cedo para discutir isso na transição — disse Carvalho ao GLOBO.

A avaliação não é consenso no grupo. O advogado Juliano Breda, especialista em lavagem de dinheiro e que também integra a transição, tem outra opinião e argumenta que a tendência internacional é que o Coaf tenha uma atuação independente dos órgãos de investigação, estes sob supervisão do Ministério da Justiça. Para ele, não há problema na manutenção sob o guarda-chuva da área econômica.

— A unidade financeira deve ser independente e não pode ser cooptada pelos órgãos de investigação até para se evitar que seja manipulada e direcionada a serviço específico de uma investigação seletiva. Essa é a concepção das unidades financeiras em todo o mundo, de não existir uma vinculação ou subordinação com unidades responsáveis pela investigação criminal. Não vejo hoje que a localização do Coaf no Ministério da Fazenda seja propriamente um problema na independência e na atuação do Coaf — diz Breda.

Outro ponto que mobiliza debates no grupo técnico são os acordos de cooperação internacional assinados com outros países para o combate à lavagem e à corrupção. Advogado de Lula nos casos da Lava-Jato, Cristiano Zanin também integra o grupo técnico, e avalia que informalidades flagradas em acordos de cooperação internacional durante a operação serviram para anular processos, o que deve ser evitado:

— Algumas condutas aconteceram à margem do procedimento previsto. Muitas foram informais, quando o acordo entre países prevê procedimentos escritos que passam pela autoridade central. Não observaram os ritos, o que gerou em alguns casos anulações de processos e investigações. Então é preciso avaliar como aprimorar isso para que os mecanismos dessas cooperações possam ser fortalecidos sem gerar nulidades processuais, como ocorreu no âmbito da Lava Jato — afirma Zanin.

Registro oficial

Os acordos internacionais foram utilizados pela força-tarefa da Lava-Jato para rastrear pagamentos de propinas e caixa dois no exterior em mais de 30 países. Ao longo das investigações, foi descoberto que a construtora Odebrecht fazia repasses de recursos por meio de empresas sediadas no exterior e que o marqueteiro João Santana recebeu dinheiro em offshores enquanto prestava serviços para campanhas de candidatos do PT. Tanto a empreiteira como o publicitário, em acordos de delação premiada, confessaram as transações. A própria defesa de Lula chegou a contestar na Justiça os pedidos de cooperação feitos por autoridades brasileiras ou dos Estados Unidos para obter informações de inquéritos do esquema na Petrobras.

Zanin cita como exemplo questionamentos feitos à Lava-Jato pela quebra de sigilo de dados de aparelhos BlackBerry de investigados na operação. Na ocasião, a troca de informações se deu sem que houvesse um acordo de cooperação com o Canadá, onde a empresa responsável por fornecer os dados era sediada.

— Toda atividade estatal precisa estar documentada, até para que se possa saber se tudo ocorreu dentro do devido processo legal — diz.