O Globo, n. 32615, 23/11/2022. Opinião, p. 2

PECs do Senado têm de substituir PEC da Transição



Faltando menos de um mês para a definição do Orçamento de 2023, o Senado começou um debate que merece atenção. Em jogo, não está apenas o programa de transferência de renda que voltará a se chamar Bolsa Família. A questão central é a sustentabilidade da dívida pública. Se o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva receber do Congresso uma licença para começar gastando bem mais do que o governo arrecada, sem um plano de controle do endividamento, a economia sofrerá com inflação alta e crescimento baixo.

Duas sugestões apresentadas no Senado são melhores do que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição elaborada pelo governo eleito. A primeira,do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), propõe expansão de R$80 bilhões no valor sujeito ao teto de gastos, que seria preservado por ora. Seria o suficiente para manter os R$ 600 pagos aos beneficiários do Bolsa Família, dar mais R$ 150 a cada criança e ainda sobrariam R$ 10 bilhões para outras rubricas orçamentárias. O redesenho do Bolsa Família com mais foco abriria ainda mais espaço sob o teto.

A proposta do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) — conhecida tecnicamente como waiver — autoriza gastos excepcionais fora do teto de R$70 bilhões apenas no próximo ano. Bastaria para manter o Bolsa Família em R$ 600 e para criar o novo benefício infantil. Também obriga o novo governo a apresentar já no próximo semestre uma nova regra fiscal capaz de garantir a sustentabilidade da dívida pública.

Ambas as propostas autorizam gastos adicionais inferiores aos pleiteados na PEC da Transição (R$ 198 bilhões em 2023 e R$ 175 bilhões anuais daí para frente). Não é a única vantagem. De maneiras diferentes, as duas mostram como atender a demandas sociais urgentes sem acabar com qualquer âncora fiscal. Em comum com a PEC da Transição, ambas determinam que doações a projetos ambientais ou gastos com recursos próprios de universidades federais fiquem fora do teto.

Com R$ 80 bilhões a mais sob o teto, o novo governo começaria 2023 cumprindo promessas de campanha, como bancar o programa de transferência de renda no patamar atual, dar dinheiro a famílias pobres com crianças, elevar o salário mínimo, recompor os programas Farmácia Popular e Merenda Escolar, reduzir a fila do SUS, investir em Cultura, Ciência e Tecnologia.

As duas alternativas mostram que o interesse do PT não se limita às demandas prementes dos vulneráveis. A PEC da Transição autoriza uma expansão do gasto equivalente a 2% do PIB, sem receita correspondente e sem garantia de que o aumento da dívida será controlado depois. Em sua defesa, Lula repete que, quando presidente, foi responsável no trato das contas públicas.

Representantes da equipe de transição têm dito que o novo governo fará uma reforma nas regras fiscais e também na área tributária, dois planos positivos. O porém é que o PT quer permissão para gastar antes de entregá-los. A sociedade não pode confiar apenas em intenções. Em vez da PEC de Transição petista, o Congresso deveria aproveitar ideias das duas propostas do Senado. Na de Jereissati, a manutenção dos gastos sob o teto, até que o Congresso aprove uma nova regra fiscal. Na de Vieira, a obrigatoriedade de apresentá-la num prazo factível. Dessa forma, Lula começaria seu governo tranquilo, com um voto de confiança dos mercados e da sociedade.