Título: Inquérito só alimenta as suspeitas
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/10/2005, Internacional, p. A9

Bastou um dia para que a polícia da Síria encerrasse o inquérito aberto quarta-feira para investigar a morte suspeita do ministro do Interior, Ghazi Kanaan, um dos implicados no atentado a bomba contra o ex-primeiro-ministro do Líbano, Rafik Hariri, em fevereiro. A conclusão, rápida, não trouxe surpresas e confirmou a versão que o governo havia anunciado assim que o incidente chegou ao público: o ex-chefe da Inteligência síria no Líbano cometeu suicídio, usando a própria arma.

- Examinamos o corpo e as impressões digitais na pistola. Também tomamos depoimento dos funcionários do ministério. Kanaan pôs o cano do revólver calibre 38 particular na boca e puxou o gatilho - garantiu o procurador Muhammad al Luaji à agência oficial de notícias da Síria. - Quando o encontramos, estava caído no chão, com o revólver na mão direita, e a outra mão sobre o peito.

O celular de Kanaan foi achado perto do político, que ainda respirava. Não havia registro de ligações feitas ou recebidas. Na autópsia também não foram constatados outros sinais de violência no corpo.

- Ele estava normal, sem sinais de irritabilidade, mesmo com o trabalho que acumulava - contou o secretário-particular, general Abdul Fatah al Sabbagh.

Assessores disseram ainda que pouco antes de atirar, o ministro teria passado em casa, onde ficou por 45 minutos. A promotoria não divulgou o que ele teria feito lá.

A investigação de um governo conhecido pela falta de transparência só alimentou as especulações sobre a morte de Kanaan, associando-a a uma tentativa pura e simples de encobrimento dos culpados verdadeiros. Três semanas antes, o político fora interrogado por agentes da ONU que investigam o atentado contra Hariri. De acordo com a mídia árabe, no interrogatório ele delatara autoridades de Damasco envolvidas na explosão. Também há suspeita de que o documento inclua dados sobre um escândalo de corrupção no qual Kanaan estaria envolvido. O negócio seria de milhões de dólares.

- Não creio que tenha sido suicídio - sustenta o ex-mediador dos EUA em conflitos no Oriente Médio, Dennis Ross. - Há uma extraordinária coincidência. Algo criado certamente para dar a impressão que o principal responsável pelo atentado está morto - completa.

Imolação ou assassinato, o fato é que a morte do ex-homem forte de Damasco em Beirute já tem conseqüências políticas.

- É o começo de uma mudança na Síria - afirmou Aktham Naise, chefe do Comitê Sírio para a Defesa das Liberdades Democráticas e Direitos Humanos, em Genebra.

Governada por Bashar al Assad desde a morte de seu pai, Hafez, em 2000 - ''a Síria é dirigida por um grupinho pequeno e forte'', afirma Naise.

- Kanaan era um de seus pilares. Agora que foi eliminado, outros o seguirão. Seja detidos pela ONU ou afastados por Assad, numa tentativa de preservar a própria cabeça - acrescentou o opositor, preso pelo regime por seis vezes.

De acordo com Naise, mesmo se Kanaan não tivesse ordenado a execução de Hariri, ''era responsável pela Inteligência, ou seja, apoiou muitas coisas horríveis que aconteceram no Líbano sob ocupação''. O Middle East Intelligence Bulletin (MEIB) vai além e afirma que a biografia do ministro também é maculada por razões piores. O aponta como um ''senhor da guerra envolvido em produção de narcóticos, tráfico de drogas e armas no Vale do Bekaa, fraude e outras atividades ilegais que o deixaram muito rico''.

Para o ativista exilado, a solução para a Síria é a formação de um novo governo.

- Estou convencido de que outras autoridades de Damasco vão ser indiciadas pelo ataque a Hariri. Todos deveriam ser imediatamente retirados do governo, para garantir uma transição democrática para o país. É imperativo se livrar desse pequeno grupinho que governa a Síria de maneira arbitrária.

O ''grupinho'', por sua vez, parece não ter sentido dificuldade em se livrar de Kanaan. Nenhum alto membro do Gabinete foi ao enterro, na vila natal do ministro, Bhamra. Apenas estiveram no hospital Shami, onde foi constatada a morte. Assad mandou uma coroa de flores, que adornou a ambulância no cortejo de saída de Damasco. Em Bhamra, o caixão sequer foi coberto com a bandeira nacional. O apoio veio do povo: mais de 10 mil pessoas acompanharam o enterro. De algumas janelas, pendiam bandeiras negras.