Título: A reação da natureza
Autor: José Sarney*
Fonte: Jornal do Brasil, 14/10/2005, Outras Opiniões, p. A11

Não sou dado a ver sinais misteriosos nos céus nem avisos cabalísticos. Mas é instigante a sucessão de desastres naturais que têm ocorrido nos últimos meses. Em todos os lugares ouço teorias que vão desde a ira celeste, maldições até mudanças no clima da terra. A onda de calamidade começou com o Tsunami na Indonésia, que arrasou tantas cidades e provocou tanta destruição. Centenas de milhares de pessoas morreram ou desapareceram.

Depois, para mostrar que a desgraça não cai somente na cabeça dos pobres, vêm os furacões que se reúnem num conselho de deuses feito de ventos e raios no Golfo do México e se conjugam no Katrina, que sai cheio de ira e energia, invade países e termina destruindo Nova Orleans, cuja memória universal era a da cidade do jazz e dos blues nostálgicos. O Katrina não respeitou a maior potência do mundo e mostrou sua face de despreparo para lidar com a desgraça humana.

Vem o Rita com a mesma fúria e agora o terremoto da Caxemira, no Paquistão, região de confronto com a Índia, onde forças estão em permanente vigília para guerrear e, de repente, unidas pela desgraça, deixam as armas, ocupam as ambulâncias e se unem pela solidariedade.

Os avisos chegam a toda hora sobre as grandes pandemias, como a gripe do frango e o SARS. A malária chega às nossas áreas urbanas. A intervenção permanente do homem no meio ambiente, o desmatamento, a poluição, o aquecimento global que, dizem alguns cientistas, esquenta as águas do Atlântico, derrete as geleiras do Himalaia, agridem a mãe natureza que se irrita e haja vontade de exercer sua vingança.

Mas há uma lição a retirar de tudo isso. É que todos nós estamos condenados a viver junto, abandonarmos os tempos de guerra e buscarmos, na unidade, nos preparar para sobreviver no planeta que abriga nossas vidas.

Por que até Cuba, numa manifestação matreira, se permitiu ajudar os Estados Unidos? Por que a Índia esquece o ódio contra o Paquistão e parte para as ações solidárias? Porque, na ameaça de extinção da vida, na impotência de lutar contra as calamidades, só a solidariedade funciona.

É sempre preciso que haja uma grande calamidade para que o homem sinta que foi criado para a fraternidade, para socorrer e não matar.

Nos acostumamos sempre a ouvir que o Brasil não tem terremoto e tufões.

Mas não esqueçamos a seca, tão cruel quanto aqueles e que, agora, na terra das águas, chega ao Amazonas. Os rios estão secando, ali, onde existe 12% da água doce da Terra. O Solimões tem nas cheias um nível de 12,30 metros de profundidade média nas cheias e está com 57 centímetros! O Madeira, cuja profundidade média nas cheias é de 12,95 metros, está com apenas 1,83 metros. Não se pode navegar.

Valha-nos Deus. Nossa solidariedade deve juntar-se à do resto do mundo. Nossa parte é ajudar onde estão precisando de ajuda e salvar a Amazônia onde estão matando as árvores, que, como os homens, são seres vivos. E é uma crueldade queimar a uns e a outros. É tempo de ressuscitar os sonhadores pacifistas e olhar a sério os fanáticos ecologistas: são necessários.

*O senador José Sarney escreve às sextas-feiras no JB