Título: Lula conhece o Brasil de vista
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 14/10/2005, Outras Opiniões, p. A11

A bordo do estafado Aerolula, o casal presidencial atravessou o Atlântico e pousou em Portugal para a 53ª viagem internacional nos dois anos e nove meses de mandato de Lula, quando visitou 74 países, alguns com repeteco. Em 34 meses, retemperou-se da fadiga maçante da rotina burocrática nos 130 dias, ou quatro meses e dez dias em que andou pelas ruas e praças do mundo e dormiu nos finos lençóis de hotéis de luxo ou como hóspede oficial do governo dos paises visitados. Um desempenho de causar inveja ao mais sofisticado turista endinheirado e com vagares para gozar a vida. Com a vantagem nada desprezível das mordomias milionárias, sem coçar o bolso para gastar uma moeda de centavos.

O caprichado programa montado com a competência e a esperteza do Ministério das Relações Exteriores, selecionou compromissos em quatro países - Portugal, Espanha, Itália e Rússia - para compor a agenda decorosa que justifique os seis dias, de 12 a 18, uma semana útil de ausência e com cuidado para evitar aborrecimentos e facilitar os encontros, as reuniões, as oportunidades que atraem o interesse da mídia e garantem espaço na imprensa. Claro, com público e microfone para os discursos de afirmação do líder emergente no plano internacional.

Viagens oficiais costumam entremear a aridez dos atos oficiais com horas compensadoras para os que gostam de conhecer e tentam entender este vasto mundo conturbado.

No caso especialíssimo do nosso presidente e, supõe-se também de dona Marisa, a viagem, qualquer viagem é bem-vinda, como uma fuga prazerosa e que acaricia a vaidade com o brilhareco no exterior.

O seu temperamento inquieto esvoaça, como o vôo do beija-flor, sobre paisagens, marcos históricos de civilizações milenares, temas e projetos que exijam a atenção, a leitura de documentos.

Estas são as marcas da sua tumultuada passagem pelo governo, que acumula dissabores, alguns amargos, como o escândalo da corrupção que gerou as CPIs dos Correios, do mensalão e dos Bingos, a implosão do PT e a provável cassação de mais de uma dezena de mandatos, para começo de conversa.

É da sua índole, completada pela deficiência da formação. E que molda o comportamento do governo, com as muitas dores de cabeça de problemas que irrompem de surpresa e pegam o governo desatento, a catar desculpas para tapar os rombos da imprevidência.

Não bastasse a trapalhada da roubalheira recordista para abastecer o caixa dois das campanhas eleitorais de gastança alucinada e o mensalão para compra ou aluguel de deputados, a denúncia do surto de febre aftosa, que parecia debelada em anos de vacinação, pegou o governo de guarda aberta, exposto ao ridículo da sua incompetência, da falência da liderança omissa que merece a qualificação de criminosa.

A foto do ministro da Agricultura Roberto Rodrigues nos jornais e noticiários das TVs, flagrado na apressada visita ao foco do alarme em Mato Grosso do Sul, com a camisa de mangas arregaçadas e manchas do suor, os olhos espremidos no rosto tenso, boca fechada de quem não tem o que dizer além das esfarrapadas desculpas e as promessas de sempre é uma confissão de quem foi pilhado em situação inexplicável. Só há um culpado: o governo. E se a fila dos responsáveis passa pelo ministro negligente, termina no presidente.

Estamos perdidos e mal pagos no reino do absurdo, da mais absoluta irresponsabilidade. A exportação de carne bovina registra recordes crescentes em anos sucessivos. E sofre a retração calamitosa com a compreensível reação de mais de três dezenas de paises, que proibiram a entrada do produto brasileiro em seu mercado.

Todo o enredo começa na mesquinharia do Ministério da Fazenda e da política econômica de cortar despesas para ganhar na estatística, que liberou apenas R$ 555,2 mil, ou seja, 1,6% da verba orçamentária de R$ 35,3 milhões para a compra da vacina que garante a erradicação da febre aftosa.

Os cupinchas de plantão juram que Lula de nada sabia, ficou muito aborrecido, chamou às falas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e determinou a imediata liberação dos recursos necessários para tampar o buraco cavado pela incúria oficial.

Com a consciência aliviada, pegou o avião e caiu fora. É o seu jeito, não há nada que se possa fazer. Não sabe e não gosta de governar. Delega poderes para não se aborrecer. Viaja para espairecer. E jacta-se de que ninguém conhece melhor este país do que ele.

Lula conhece o Brasil de vista. E sabe das coisas por ouvir dizer. Como quem toca flauta de ouvido sem saber uma nota.

Villas-Bôas Corrêa escreve às quartas e sextas-feiras.