Título: Delúbio disse o que Berzoini pensa
Autor: Augusto Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2005, País, p. A2

Delúbio Soares está de bem com a vida, informa a foto de Dida Sampaio no Estadão de segunda-feira: risonho, de bermudas, camisão molhado, pés descalços na terra comprada para o pai, empunha a mangueira que despeja água sobre amigos castigados pelo calor do Brasil Central. O azul-claro do jato líquido contrasta suavemente com o verde das árvores ao fundo. O ex-tesoureiro do PT brincou de bombeiro na tarde de sábado, enquanto festejava, com a família e um grupo de íntimos, a chegada aos 50 anos. Delúbio Soares está feliz e tranqüilo, reafirma a reportagem de Expedito Filho. A dupla de jornalistas apareceu sem convite na porteira da fazenda perto de Buriti Alegre, cidade goiana onde o aniversariante nasceu. Um irmão do homeageado não gostou. Gostou menos ainda ao saber que eram jornalistas. Delúbio interveio para apagar o incêndio e fazer as honras da casa. Que entrassem os forasteiros, decretou.

A primeira informação estava sobre a mesa: só comidas regionais, que Delúbio muito aprecia. Seu prato preferido não é arroz, feijão e lexotan, como imaginou quem viu pela TV, em soporíferos depoimentos no Congresso, a figura sonolenta e de voz arrastada. A segunda informação estava na cara: aquele sorriso a meio caminho entre o desdém e o deboche é só o jeito de sorrir que tem. Na festa, ele sorriu como sorria nas CPIs.

Mesmo sem um habeas-corpus preventivo do Supremo Tribunal Federal no bolso da bermuda, Delúbio continua mentindo com a serenidade de quem acha que cadeia é para os outros. Já decorou a oração que o Papa Lula ensinou seus cardeais: "Fizemos o que todos fizeram. Mas não usamos dinheiro público, como o PSDB e o PFL. Só usamos dinheiro de empréstimos privados de um empresário para despesas de campanha."

Os verbos no plural ("fizemos", "usamos") sugerem que não inventou nem administrou sozinho o esquema criminoso. Mas aceita com resignação o papel de bode expiatório. Devoto de Lula, jura amor eterno ao PT. A perspectiva de ser expulso nesta semana não o angustia. "No sábado, vou apresentar minha defesa", promete. "Se eu for expulso, fui. Não vou deixar de ser militante. O PT é meu projeto de vida. Sou fundador, dirigente nacional e militante há 25 anos."

Consumado o despejo, paciência. "Não vou ficar com raiva de ninguém", antecipa. Nem do presidente eleito Ricardo Berzoini, principal advogado da expulsão. "Nas eleições do PT, pedi votos para ele", conta. "O resultado foi bom para o partido".

Como o presidente Lula, Delúbio acha que a crise está perdendo força. Apoiado na crença de que o pior já passou, mandou dos cafundós de Goiás a mensagem que atravessou o samba composto pelos Altos Companheiros: "É só ter calma. Em três ou quatro anos, essas denúncias todas serão esclarecidas, esquecidas e acabarão virando piada de salão".

Ao ler a mensagem do ex-tesoureiro, Berzoini surfou nas ondas da indignação. "Não pedi a ele que me ajudasse na eleição", enfureceu-se. "Ao tratar a crise com desdém, o Delúbio ajuda a confundir a opinião pública e coloca em risco a credibilidade do partido. Parece desconsiderar as desgraças que causou ao PT. Não tem motivo nenhum para piada".

Até o momento do recado que supunha tranqüilizador, o surto de loquacidade de Delúbio lembrava uma nota oficial do PT. Ele encampou a falácia do caixa 2 ("recursos não contabilizados", prefere), negou enfaticamente a existência do mensalão. Não se queixa do castigo iminente, garante que o pior já passara e até foi cabo eleitoral de Berzoini. Tudo de acordo com a discurseira da direção nacional. Só escorregou ao zombar da memória nacional.

Berzoini e seus generais também pensam assim: logo esse povo esquece. Mas isso é coisa que não se diz.